Começo com alguns pontos preliminares meramente contabilísticos:
- A esquerda toda junta (PS+BE+CDU+L+PAN) contém 91 deputados, muitíssimo longe dos 116 (metade de 230 mais +1) para formar qualquer tipo de governo com apoio parlamentar.
- A direita dita democrática junta (AD+IL) ainda contém menos deputados, formando juntos apenas 87 deputados.
- O Chega com 48 deputados será indubitavelmente o partido que decidirá se os governos vão ou não cair.
- AD+IL+Chega formam 135 deputados, muito longe dos 2/3 necessários (154 deputados) para fazer qualquer eventual revisão constitucional.
O "não é não" de Montenegro serviu apenas para acordos de governo tipo "geringonça" à direita, mas será perfeitamente aceitável ter algumas cedências pontuais em determinadas matérias no âmbito estritamente parlamentar, sem que haja qualquer compromisso que coloque em causa os princípios fundadores e as linhas vermelhas da AD.
O facto do Chega ter ido buscar muitos votos à abstenção (a mais baixa desde 1990) e à esquerda dita populista nas zonas a sul do Tejo, demonstra que esses eleitores não eram da direita tradicional, logo, não é certo que o Chega seja penalizado eleitoralmente se mandar um governo da AD abaixo, como aconteceu antagonicamente à esquerda quando BE/PCP inviabilizaram o orçamento de António Costa, tendo posteriormente Costa obtido a maioria absoluta.
Hostilizar o Chega por parte da AD, por outro lado, dar-lhe-á força e fará do Chega o verdadeiro partido da oposição, pois os eleitores têm bem presente o que foram os governos do PS nos últimos anos, não dando qualquer credibilidade ao PS no curto prazo para efetuar críticas à governação da AD. É preciso expor o Chega aos meandros do poder, para que possa também sofrer as consequências e o respetivo desgaste eleitoral. Sem nunca, jamais, colocar em causa os princípios fundadores da democracia e do estado de direito.