Evoluímos - sim, somos o resultado da evolução por seleção natural - para guardar de forma mais vincada as memórias más em relação às boas, pois tal permitiu-nos afastarmo-nos dos perigos. Recalcamo-las do nosso consciente para ficarem no subconsciente adormecidas, prontas para serem espoletadas caso nos deparemos com circunstâncias similares à que originaram a má experiência. Tal como uma ferida que não queremos sarar, podemos até ignorar mas não a podemos tocar, sob pena de sentirmos dor. A tal experiência chamamos de trauma e pode ter naturalmente vários graus de intensidade, mas se vier à memória do caro leitor, de forma recorrente, algo que sucedeu há mais de um ano, certamente terá sido traumático. Há naturalmente vários níveis de trauma e um abandono de uma namorada não é equiparável à perda de um filho ou à experiência de uma guerra sangrenta, mas não deixa de ser um trauma. Evoluímos para guardar as más memórias, mas felizmente que vivemos numa civilização marcadamente segura, quando a comparamos com o Paleolítico onde a morte espreitava em cada esquina, importa por isso, tal como em tantos outros domínios, combater os instintos e forçar a mente a recordar os bons momentos. Não há sentimento mais tóxico que o ressentimento derivado do trauma, para nós e para os que nos rodeiam. É por isso premente não ter medo de recordar, para poder sarar.
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