Observei agora um documentário longo, muito denso e com uma qualidade histórico-pedagógica assinalável, em como a República Romana tomou por completo a região que hoje se denomina simplesmente por Grécia. Escrevo pois fazê-lo é um excelente exercício para que consiga solidificar o conhecimento que adquiri ao longo destas duas horas.
O documentário dá-nos o retrato detalhado em como a República Romana tomou por completo a Grécia e a Macedónia nos áureos períodos da República e como o senado romano usou com destreza a diplomacia e o princípio de "dividir para reinar". Fala-nos das várias guerras macedónicas e de como os diversos impérios sucessores de Alexandre o Grande, como o império da Macedónia, o Selêucida e o Ptolomaico foram sendo vencidos quer entre guerras entre si, quer pelas legiões romanas. Também nos descreve como os romanos usavam de forma inteligente a diplomacia para se aproveitarem de ódios internos no mundo helénico e assim criarem alianças em seu favor, como por exemplo com a Liga Etólia, com Atenas ou com Esparta, que apesar de helénicos, se odiavam mutuamente. Não só os romanos usavam a diplomacia de forma extremamente astuta e inteligente, como em vários tratados de vitória estabeleciam contratualmente que os filhos menores dos líderes derrotados seriam enviados para Roma enquanto reféns. De salientar que esta noção de refém para Roma tinha apenas essencialmente um significado bélico-diplomático, pois os menores eram educados na cultura romana e inseridos em famílias aristocráticas tendo condições de vida muito superiores à maioria das crianças romanas. Roma não o fazia por caridade ou piedade, pois estes "romanizados" seriam mais tarde enviados para os seus países de origem, e considerando a sua linhagem real, influenciar as cortes locais para que estas tomassem partido por Roma. Tal aconteceu com Demétrio, filho de Filipe V da Macedónia, tendo este último instigado por diversas vezes Roma para a guerra, tendo Demétrio sido tomado como refém e "romanizado", tomando partido por Roma posteriormente nas cortes macedónicas e mais tarde envenenado muito provavelmente a mando do seu próprio pai, Filipe V da Macedónia
O documentário também nos demonstra aspetos extremamente contemporâneos da política internacional, na medida de que sempre que os romanos subjugaram um império inimigo, não o aniquilavam na plenitude, deixando na sua regência vários líderes locais para que fossem "amicais com Roma", naquilo que o senado denominava por "nação amiga". Embora houvesse limitações à dimensão dos exércitos e da marinha dos estados subjugados, tinham alguma autonomia e eram regidos por locais, tornando-se contudo naquilo que hoje se pode denominar de "estado fantoche", mas um progresso assinalável para a época em questão em que o princípio bélico vigente era quase exclusivamente vencer, pilhar e ocupar. Os romanos também o faziam de forma selvática e violenta, e isso é claro no documentário, mas normalmente apenas após várias tentativas falhadas e espaçadas ao longo de décadas, como é claro com as três guerras púnicas contra Cartago ou com as quatro guerras macedónicas, sendo que a romanização total da Grécia Antiga surge apenas após a última destas guerras com a constituição da Província Romana da Macedónia. Também é possível verificar ao longo dos vários séculos como as legiões romanas e a estratégia militar romana se tornaram superiores às longas falanges dos descendentes de Alexandre o Grande. Se é verdade que a civilização helénica nunca foi cívica e intelectualmente inferior à romana, também é verdade que a unidade da República de Roma e a sua astuta diplomacia e superioridade militar em muitos contextos, permitiu tirar enorme proveito das fragilidades internas do mundo helénico.
A conquista que Roma faz ao mundo helénico daquilo que hoje se denomina simplesmente por Grécia, é um marco histórico de relevo pois de certa forma acaba por fundir as respetivas culturas, como é visível na próprio mitologia, e estabelecer um marco histórico e civilizacional que perdura até aos dias de hoje.
Nota ideológica no contexto português contemporâneo
O documentário é completamente de livre acesso, tem uma qualidade assinalável, sendo que os respetivos criadores sobrevivem apenas de donativos e de publicidade. Esta grande obra histórico-pedagógica de serviço público custou zero euros aos contribuintes dos países onde o documentário é observado e à data que escrevo tem mais de 800 mil visualizações. Enquanto isso, os consumidores portugueses são forçados a pagar quase 500 mil euros por dia, repito, por dia, para que a RTP difunda o "Preço Certo" e demais obras de arte repletas de "serviço público", enquanto a oligarquia intelectual do regime aplaude de forma apoteótica o exemplar "serviço público de televisão", olvidando que tal mais não é que um legado requentado da propaganda do Estado Novo. Passos Coelho tentou privatizar a RTP mas entregou tal pasta ao medíocre Relvas, e por conseguinte, se com as finanças públicas depauperadas e com o país sob o jugo de uma troika não se conseguiu libertar os consumidores portugueses do frete oneroso de "proteger o serviço público de televisão", muito menos será possível nas condições vigentes, até porque não é uma medida que receba consenso na própria direita portuguesa. Não haja a menor dúvida que, mais uma vez, a esquerda portuguesa presta um péssimo serviço à pedagogia e à cultura, por considerar quase como um dogma insofismável de que para haver obras e peças com enorme serviço público, como por exemplo, com qualidade pedagógica assinalável, tal exige a existência de um estado subsidiário. Eu normalmente refuto de forma categórica esta tese com um simples contra-exemplo: quando um cidadão anónimo recolhe o lixo da sua rua de forma voluntária presta um enorme serviço público à comunidade, já quando um funcionário camarário das limpezas faz greve, presta um péssimo serviço público à comunidade. A esquerda comete o erro crasso de confundir serviço público com serviço prestado pelas administrações públicas e a Internet ao aproximar de forma cibernética milhões de pessoas de forma completamente livre e voluntária, releva de forma exemplar essa diferença assinalável.
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