A questão é complexa e, no meu entender, envolve fenómenos económicos, culturais e sociais. De acordo com as sondagens, 1/4 dos holandeses vota em partidos eurofóbicos e xenófobos, ou seja, o partido do xenófobo Geert Wilders (PVV) mais um partido elitista dos ricos de Amesterdão denominado Fórum para a Democracia (FvD), que além de propor o Nexit é marcadamente eurofóbico e contra qualquer imigrante desqualificado, representam cerca de 1/4 do eleitorado. Como estes dois partidos estão a ganhar terreno eleitoral e como Mark Rutte sabe-o bem, o primeiro ministro holandês tem consciência portanto que não pode dar margem à sua direita, até porque as eleições são para o próximo ano. Adicionalmente, a maioria dos votos do eleitorado é detida por partidos europeístas e liberais, o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), i.e. o partido de Rutte e o D66, partido marcadamente liberal e europeísta. Estes dois partidos representam mais de metade do eleitorado holandês. O restante 1/4 representa partidos socialistas, trabalhistas, verdes, cristãos e de animais. Como pode o leitor reparar, o panorama político-partidário é muito diferente do de Portugal.
O problema contudo é que a narrativa dos partidos da extrema-direita holandesa assenta obviamente numa premissa redutora e maniqueísta da clássica cigarra versus formiga, quando de facto o Euro permitiu que as empresas holandesas pudessem exportar os seus produtos para o sul da Europa. As empresas holandesas já eram muito mais eficientes que as do sul antes da introdução do Euro, mas a moeda única colocou tal diferença a nu ao colocar as empresas menos competitivas do sul no mesmo mercado interno que as holandesas. Certo dia quando passava férias em Cádiz fiquei surpreso ao denotar que nos supermercados locais os tomates que mais são vendidos, são os tomates holandeses, o que é um enorme paradoxo à primeira vista, pois os tomates são frutos que necessitam de muito sol, o que abunda em Espanha e escasseia na Holanda. Mas a agricultura holandesa é pioneira em tecnologia, sendo a Holanda o segundo maior exportador do mundo em produtos agroalimentares, apenas ultrapassada pelos EUA, com uma superfície muitíssimo maior e com muitíssima mais população, tendo a Holanda uma superfície pouco superior à do Alentejo (os Países Baixos têm cerca de 40 mil quilómetros quadrados de superfície enquanto o Alentejo tem cerca de 30 mil). Tal é um feito enorme da tecnologia agroalimentar, e o Euro colocou estas empresas altamente eficientes em competição directa com os agricultores da Península Ibérica, criando enormes assimetrias comerciais, restando aos países do sul oferecer o que o engenho do norte jamais conseguirá providenciar com melhor qualidade do que o sul, ou seja, bom clima para o sector do turismo. Ora a pandemia veio agravar o último recurso importante dos países do sul no mercado interno. A maioria dos eleitores holandeses é sensível a este racional, mas uma parte substancial, quer os menos letrados e ignorantes, quer uma elite aristocrática de Amesterdão farta de imigração islâmica, não lhe importa estes argumentos e quer simplesmente cessar a transferência de fundos para o sul da Europa, até porque alegam, parcialmente com razão, que tal como foi alegado durante o debate do Brexit, podem sempre fazer trocas comerciais com o resto do mundo.
Adicionalmente existe a questão protestante, que já não tem tanta influência como se julga, até porque a grande maioria dos holandeses não é crente, mas pode ter alguma influência cultural, visto que na tradição luterana a redenção é feita não através da caridade, mas através do trabalho. Além disso, há ainda alguma demagogia na comparação com os benefícios de outros povos europeus, que parcialmente compreendo, porque o estado holandês há muito que fez reformas que baixaram as garantias e benefícios para o seu próprio povo (a Holanda tem por exemplo de acordo com a OCDE, das lei laborais mais liberais do mundo), e muitos holandeses não compreendem porque motivo hão de sustentar outros estados que providenciam benefícios superiores, sendo o caso típico a idade de reforma que na Holanda é aos 68 anos, não havendo muitas exceções para casos especiais como existe amiúde no sul da Europa, e quando, por exemplo, em França a idade de reforma é aos 62 anos.
Nope.
ResponderEliminarA Holanda não podia simplesmente "comerciar com outros países" nas mesmas condições.
A UE garante-lhe um mercado fechado aos competidores externos e que as economias mais fracas dentro da UE sejam obrigadas a abri-se aos produtos holandeses limitando até intervenções estatais desenvolvimentistas dos estados mais fracos.
Isto é, a UE é um lago fechado onde nadam tubarões como a Holanda, que comem os peixinhos que são as economias mais fracas.
Pelo que não têm qualquer razão de queixa - as "ajudas" não passam de compensações aos países mais fracos por aceitarem abrir as suas economias a economias muito mais fortes.
Na verdade os mais fortes recuperam com juros todas as "ajudas" que na verdade nem são suficientes para compensar o estrago que faz a abertura dos mais fracos aos mais fortes sem qualquer protecionismo e impedindo políticas estatais de desenvolvimento.
Caro Pedro, se fechar uma economia ao estrangeiro fosse tão benéfico quanto dá a entender, porque motivo vários governos usam o embargo como arma comercial? Não acha um paradoxo, por um lado a esquerda acusa os EUA de fazerem embargos contra Cuba ou Venezuela, e por outro no quadro europeu queixa-se de as fronteiras estarem abertas a bens e serviços?
EliminarSim, a Holanda ganha com o mercado interno da União Europeia, mas porque tem uma indústria competitiva que produz valor acrescentado, não se baseando nos baixos salários para promover o tal valor acrescentado (o salário médio holandês ronda os 2200 euros mensais).
No seu entender qual seria a solução? O "orgulhosamente sós" de Salazar?
A coisa chega ao ponto que devido ao efeito "lago fechado" dentro da UE a maior parte do dinheiro que os países mais fortes "dão" aos mais fracos acaba por ser gasto em produtos e serviços produzidos pelas economias mais fortes, sejam BMW, sejam contratos com empresas de engenharia holandesas ou alemãs etc.
ResponderEliminarPelo que as "ajudas" ao sul acabam por ser investimentos indirectos nas próprias economias dos países do norte.
Em parte é verdade, contudo muito desse dinheiro europeu vai para escolas, hospitais, formação profissional, habitação social, equipamentos desportivos ou transportes públicos. A Acrópole de Atenas foi completamente restaurada recentemente. Sabe quem pagou a quase totalidade do restauro? Pois é, a União Europeia.
Eliminar