E se tivesse sido violada e barbaramente assassinada por um preto?


Uma jovem de dezasseis anos foi barbaramente assassinada por um condutor de um veículo automóvel que não parou num sinal vermelho, tendo o seu corpo sido sujeito a um embate violentíssimo tendo ficado com diversas hemorragias fatais. Agora façamos um excelente exercício mental, que nos ajuda a conhecermo-nos a nós próprios enquanto indivíduos e enquanto espécie: imaginemos que a jovem tinha sido estuprada e assassinada por um preto, isto é, um indivíduo de tez bem escura com proveniências da África subsahariana. A reação da turba seria indescritível e nesse mesmo dia o partido da extrema-direita faria variadíssimas aparições públicas para pedir mais segurança na via pública e menos imigrantes. 

Como já expliquei aqui, aqui e aqui, a evolução por seleção natural escolhe os mais aptos (selection of the fittest) e não obrigatoriamente os mais fortes, sendo que no passado os selecionados e que sobreviveram tendo deixado linhagem foram aqueles que demonstraram maior agressividade perante alienígenas, num período onde os perigos residiam essencialmente na fome, em leões, em ratos, cobras, abelhas e invasores de outras raças da mesma espécie, num tempo em que não havia nem automóveis, nem armas de fogo nem barras de chocolate. Ora, a evolução humana, que sucedeu desde o aparecimento dos primeiros hominídeos há cerca de 14 milhões de anos, fez com que tivessem sido selecionados os indivíduos que demonstraram maior agressividade perante os outros indivíduos de raças diferentes, e tal é um traço psicoevolutivo de que ninguém pode escapar, mesmo aqueles que fazem um enorme esforço civilizacional para suplantarem ou ignorarem este sentimento proveniente do sistema límbico, a parte mais primária e interior do cérebro. Podemos porventura recalcar esse sentimento primário com uma capa de educação e civilidade, mas facilmente perante uma tragédia ou um crime hediondo perpetrado por um alienígena da raça diferente da nossa, a nossa reação é instintiva e imediata, e o medo e a raiva apoderam-se imediatamente da nossa mente. 

Mas a irracionalidade do instinto é de uma atroz insensibilidade humanitária, pois quando exatamente a mesma jovem vítima padece de uma morte imensamente cruel e hedionda, mas devido a outros factores também completamente evitáveis e preveníveis, a turba encara todavia tal morte como uma banal inevitabilidade do quotidiano, definindo tal evento como um "acidente". Mas o que é que exatamente define um acidente, se não um evento completamente inesperado e não prevenível? Quando o município desenha vias rápidas em meios urbanos, onde há elevada concentração de pessoas, será que podemos falar de acidentes em sentido lato, considerando que apenas em 2018 e em Lisboa foram mortalmente atropeladas 46 pessoas? E quando um preto viola uma bela e jovem mulher branca, não podemos também falar de acidentes, mais precisamente de acidentes sociológicos e de eventos inesperados causados por más experiências e sinapses no cérebro do estuprador que o conduziram ao ato bárbaro e hediondo? 

Quem definiu a taxonomia do reino animal foram indivíduos entendidos nas ciências naturais, indivíduos esses de uma determinada espécie que se definiram posterior e narcisicamente a si próprios como sendo "sapientes", daí Homo Sapiens. Embora sendo indubitavelmente sapientes, pois caso contrário jamais teríamos inventado a escrita ou a Internet, nunca nos esqueçamos que somos animais, e tal como um porco, um urso ou um lobo ou outro qualquer mamífero, temos um sistema límbico que nos permitiu sobreviver durante milhões de anos. Hoje, tal sistema não só é anacrónico como é amiúde perigoso, pois não sabemos enquanto coletivo identificar o verdadeiro perigo. Tememos mais os ciganos que as alterações climáticas, tememos mais os indianos da mercearia que o excesso de sal e tememos mais os pretos violadores que o excesso de velocidade de veículos automóveis.