Porque se protesta também em França?


Os franceses são um povo marcadamente contestatário, e, felizmente por isso, deram à luz a Revolução Francesa em 1789. Contudo e interessantemente, as manifestação são amiúde contraditórias, pois se os professores saem à rua para pedir aumentos salariais, esses aumentos provêm apenas da carga fiscal que é aplicada a empresas e à população, sendo que é a referida população que agora protesta contra a elevada carga fiscal que existe em França. E de facto existe! Historicamente a Dinamarca, ou os restantes países nórdicos, sempre foram tidos como os países com a maior carga fiscal na Europa, mas o cenário mudou recentemente, tendo a França atingido o primeiro lugar na tabela que relaciona o montante total arrecadado em impostos em percentagem do PIB.

Carga fiscal; ou seja, total de receitas fiscais em percentagem do PIB. Fonte: Eurostat.

Ou seja, o paradoxo é que em França à segunda-feira protesta-se contra os impostos; mas à terça-feira protestam os pensionistas contra a redução da idade de reforma; à quarta-feira os funcionários públicos reclamando a progressão das carreiras e demais eufemismos, que na prática se reduzem a mais dinheiro; à quinta-feira os professores; e à sexta-feira saem os estudantes universitários à rua lutando contra a introdução de propinas. Esta manifestação denominada dos "coletes amarelos" tem pois a característica singular de ser uma manifestação que faz pressão político-orçamental pelo lado da receita fiscal e não pelo lado despesa pública, como é habitual. E tal é inédito! E por ser uma manifestação que está relacionada com a receita fiscal, quando consegue criar massa crítica, junta mesmo de facto muita gente. É que em Portugal, por exemplo, os professores apesar de terem muita voz, são apenas 140 mil cidadãos. Mas contribuintes existem cerca de 8 milhões (de salientar que os impostos não se reduzem a IRS). 

Aos contribuintes acontece o mesmo fenómeno que sucede para os peões na via pública. Como somos todos, acabamos por não ser ninguém, e por isso mesmo o peão é o último a ser tido em conta nas diversas decisões sobre urbanismo ou tráfego motorizado. O mesmo se passa para os contribuintes, porque nas sociedades modernas, apenas os grupos de interesse, desde a banca, aos grandes grupos económicos, passando pelos professores e demais funcionários públicos, conseguem influenciar o poder político e o executivo. De salientar todavia que Portugal se encontra numa posição moderada em termos de carga fiscal, no âmbito europeu. Em qualquer caso os rendimentos em Portugal são mais baixos que na média dos restantes países europeus, e por isso, os critérios de progressividade fiscal aplicáveis aos cidadãos, são também generalizáveis aos países. Um dado ainda interessante da tabela acima, é que o país com o segundo maior PIB per capita da Europa, a Irlanda, é exatamente aquele que apresenta menor carga fiscal. Mesmo a Noruega, um país extremamente rico e com um estado social muito presente, não tem uma carga fiscal muito superior à portuguesa. Muito menos a tem a Suiça.

PIB per capita na Europa. Fonte: Eurostat.

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