Da imigração económica, da xenofobia e da psicologia evolutiva


Indubitavelmente que a imigração ilegal é um problema para a Europa, que não pode ser olvidado pela classe política europeia dirigente; todavia questiono-me se merece a atenção quase apocalíptica que tem tido nos meios de comunicação social. Dir-me-ão que a Política, como é o seu papel, e por arrasto a comunicação social, obedece aos “anseios” das populações. Interessa então analisar cientificamente em que se baseiam tais anseios antropossociológicos. Por outro lado, existe uma visão humanista demasiadamente pueril e demagoga que, como é típico nas pessoas que se deixam levar pelas emoções, humanistas, misantrópicas ou xenófobas, ignoram objetivamente os factos.

Da Economia e da imigração (i)legal

A Europa tem um problema demográfico sério e portanto
precisa urgentemente de muitos imigrantes, mas é
duvidável que nas economias europeias modernas, a entrada
indiscriminada de pessoas com muitas baixas qualificações,
traga quaisquer benefícios económicos, visto que essa classe
social nativa já padece de um problema grave de desemprego
e já recebe por conseguinte muitos apoios sociais.
Créditos do gráfico: Nuno Serra.
Para que possamos comparar o caso das imigrações ilegais para a União Europeia podemos, a título de exemplo, apresentar o caso da Austrália. A Austrália é uma nação que também tem fronteiras externas marítimas, sendo um país geograficamente imenso com pouca densidade populacional, economicamente pujante e por isso, um forte polo atractor para muitos imigrantes, essencialmente da Ásia. De facto a Austrália tem uma enorme comunidade de imigrantes, e de acordo com algumas fontes como a BBC, nesta nação da Oceânia 25% da população é imigrante ou descendente de imigrantes em segunda ou terceira gerações. Mas a Austrália é conhecida por ter fortes restrições à entrada ilegal de pessoas pela via marítima, tendo um acordo com a Papua-Nova Guiné, em que reencaminha para este país a maioria dos imigrantes ilegais e dos requerentes de asilo que entram pelas suas fronteiras marítimas, sendo que não abre quaisquer tipo de exceções. A Austrália recebe todavia por ano muitos imigrantes, mas obedece a um sistema de pontos, em que são contabilizadas a idade, a fluência em Inglês ou as qualificações académicas do requerente, visto que estes são fatores que vão influenciar em muito a produtividade do indivíduo. Por isso, ao contrário de alguns estudos que ditam que a absorção de imigrantes traz benefícios económicos, duvido que tal se aplique, independentemente das qualificações académicas do indivíduo. Considerando que a grande maioria dos imigrantes que vem da África subsariana é pouco qualificada ou mesmo analfabeta, o indivíduo terá nas respetivas economias de mercado uma produtividade muito baixa, portanto, ou não trará benefícios para a economia ou poderá ser mesmo um fardo para os respetivos sistemas de providência social. Além disso, as camadas da população europeia com baixas qualificações já sofrem largamente com o desemprego e com a exclusão social.

Milton Friedman tem uma abordagem, ora interessante, ora diria mesmo desumana, sobre a imigração, legal ou ilegal. Como um dos fundadores do pensamento neoliberal, e sendo obviamente liberal assumido, referia que a imigração não era de todo um problema; considerando até que os liberais mais radicais defendem mesmo a abolição das fronteiras, sendo estas uma afronta à liberdade de movimento. Friedman referia que a imigração, legal ou ilegal, sempre foi considerada positiva para os EUA até aos anos 1930, data a partir da qual, passou a ser encarada como menos positiva e a ter de ser sucessivamente controlada ou mesmo barrada. A diferença, de acordo com Friedman, está no facto de que em 1930, no seguimento da Grande Depressão, os EUA implementaram o New Deal que estabeleceu um salário mínimo, o subsídio de desemprego e os primeiros sistemas de pensões, ou seja, a partir de 1930 passa a existir uma providência social com gastos para o erário público, independentemente da produtividade do indivíduo e do seu contributo para a economia. A partir de então a imigração para dentro dos EUA passou a ser encarada como negativa, até do ponto de vista económico por parte de alguns setores, porque o Estado Providência passaria também a ter encargos com os imigrantes, caso estes não fossem bem sucedidos ou produtivos. Na prática, Friedman, um (neo)liberal assumido, referia que a inexistência de estado social “filtrava” quais os imigrantes que seriam mais bem sucedidos, sem quaisquer encargos para o estado, visto que os imigrantes mal sucedidos não teriam quaisquer apoios públicos, e por isso, até aos anos 1930 a imigração para os EUA sempre foi encarada de forma muito positiva por parte de todos os quadrantes políticos, pois além de os imigrantes não representarem quaisquer encargos adicionais para o erário público, o país acolhia por norma pessoas bem mais dinâmicas e empreendedoras que os nativos. 

Obviamente que não defendo a extinção do estado social e julgo que a Europa tem um sistema de providência herdado da social-democracia, que é um marco civilizacional; reafirmo apenas, que é mesmo muito duvidoso, que imigrantes analfabetos e sem quaisquer qualificações sejam uma mais-valia económica para o estado que os acolhe, considerando que os nativos com poucas qualificações já representam um fardo para o estado providência, dada a elevada taxa de desemprego e de apoios sociais nestes setores da sociedade, considerando ademais que as economias modernas apresentam mais-valor quase sempre no conhecimento, e por conseguinte, na formação académica dos trabalhadores. E os dados recentes das despesas públicas da Alemanha referem exatamente o que tento expor, que o quase um milhão de refugiados e imigrantes que a Alemanha acolheu são um encargo para o erário público que não é negligenciável. Fica então a Questão Maior, a questão que também define obviamente a cultura europeia, que está plasmada nos Direitos do Homem. Mas neste ponto precisamos de ser objetivamente racionais. O que move o imigrante económico já não é a guerra ou a fome, mas a miséria. É perfeitamente legítimo alguém que viva uma vida miserável procurar condições de vida mais condignas à sua condição humana, mas o que a grande maioria dos humanistas olvida, é que mais de metade da população do mundo, aos padrões europeus, vive na miséria. A Europa representa apenas 7% da população mundial e, por conseguinte, não pode acolher todos os miseráveis do planeta, sob pena de colocar em causa o próprio tecido civilizacional europeu como o conhecemos.

A Europa precisa de imigração, pois tem um problema demográfico sério, por isso, estava na altura de a classe política europeia pensar em adotar o modelo australiano. Um modelo organizado, dentro do quadro legal e do estado de direito, em que se valorizariam as qualificações do requerente, a sua idade e o seu conhecimento linguístico, sendo que tais requerimentos poder-se-iam fazer em qualquer embaixada ou consulado de um qualquer estado-membro da União Europeia. Pelo contrário, estamos a adotar o modelo caótico sobre a capa de humanista, de aceitar qualquer um que tenta a arriscada viagem de atravessar o Sara e o Mediterrâneo, ao mesmo tempo que declinamos vários pedidos oficiais e organizados junto das embaixadas e consulados espalhados pelo mundo. Parece que há só duas formas para um não europeu entrar na União Europeia: ou arrisca a vida num périplo desértico-marítimo extremamente perigoso e com um destino incerto, ou paga meio milhão de euros por um visto doirado. Confesso que o meu espírito humanista tende a preferir aceitar o primeiro em detrimento do segundo visto que demonstra extrema motivação, mas a racionalidade económica dita o contrário. Já ao comum dos medianos que se situam no meio-termo, falantes de Inglês ou Português e com formação superior, espalhados pela América do Sul, África ou Ásia, que queiram vir trabalhar e viver na Europa, está-lhes vedada a entrada, mesmo que muitos destes também tenham uma vida miserável, como por exemplo na Índia ou no Paquistão.

Da xenofobia e da psicologia evolutiva

À luz da mitologia populista explicada pela Psicologia Evolutiva,
este barco está repleto de "machos jovens invasores, que tomarão
de assalto as nossas casas, violarão as nossas fecundas filhas e nos
roubarão os recursos mais preciosos do nosso ancestral território;
tudo, com a complacência dos vis traidores que os auxiliam".
A seleção natural escolhe os mais aptos, não necessariamente os mais fortes. Numa ninhada existe variabilidade nos traços fenotípicos (aparência visível por fora) e genéticos. Numa geração de indivíduos de uma mesma família alargada essa variabilidade é ainda maior, basta pensarmos que se já somos diferentes dos nossos irmãos, somos ainda mais diferentes dos nossos primos direitos, e assim sucessivamente à medida que se afasta o grau de parentesco. Essas diferenças obedecem a mutações genéticas que por sua vez obedecem a processos estocásticos (aleatórios), que são definidos durante a conceção, e assim sendo, são por sua vez transmissíveis para as gerações vindouras. Apenas são transmissíveis os traços genéticos que são definidos na conceção e não aqueles cujas mutações aparecem posteriormente. Ora há traços, genéticos ou fenotípicos, que aumentam a adaptabilidade (fitness) do indivíduo, visto que o indivíduo que sobrevive é aquele que tem filhos e que por sua vez transmite esses mesmos traços para as gerações vindouras. Este processo, denominado de Seleção Natural, visto que a adaptabilidade do indivíduo é definida em função do meio natural envolvente, foi descoberto e analisado por Charles Darwin, e está mais que estabelecido na comunidade científica, embora Darwin não conhecesse os processos genéticos subjacentes, apenas os relacionados com os traços fenotípicos.

Por sua vez António Damásio, em o “Erro de Descartes”, esclarece-nos que existe uma quantidade muito pequena de genes associadas ao cérebro, para a quantidade imensa de neurónios que o indivíduo possui, o que deixa a entender, que muitos dos processos psicológicos do indivíduo são de facto mais influenciáveis pela educação ou meio envolvente do que propriamente pela genética. Todavia a genética, ou o seu legado, não pode ser desprezada, principalmente na parte do cérebro mais antiga, a mais interior, e que muita da qual é comum a todos os mamíferos, como por exemplo o sistema límbico que é responsável pela agressividade, pela sexualidade ou pelo medo. Se são traços comuns a todos os mamíferos, é natural que obedeça a processos genéticos e por sua vez evolutivos. Ora sendo o Homo Sapiens também um mamífero que é parcialmente explicado, tal como os outros seres vivos, por um processo de seleção natural, é expectável que muitos dos processos psicológicos, principalmente os mais primários, aqueles que não advêm dos lobos frontais, obedeçam a processos genéticos e por sua vez, evolutivos. Assim, surgem já no século XX os primeiros estudos sobre psicologia evolutiva, que propõem explicar características mentais e psicológicas, tais como memória, perceção, ou linguagem, como adaptações evolutivas; sendo a mente, principalmente na sua vertente mais primária, o resultado da seleção natural e da seleção sexual. A psicologia evolutiva propõe assim que a psicologia clássica pode ser mais bem compreendida à luz da seleção natural. A psicologia evolutiva nas sociedades modernas é mais bem compreensível nos meta estudos, que envolvem uma enorme quantidade de indivíduos, visto estudar mecanismos genéticos que são o resultado da seleção natural, e por conseguinte são comuns a uma grande maioria da população, sendo assim mais facilmente identificáveis em fenómenos de massas.

É neste ponto que entra a xenofobia, um sentimento claramente primário espoletado pelo medo ao indivíduo ou indivíduos, classicamente das outras tribos ou etnias. A psicologia evolutiva estuda assim muito bem este fenómeno. Reparemos que apesar de eu considerar que a imigração ilegal é um problema para a Europa, está longe de ser um problema que represente o apocalipse político em que presentemente se vive. A classe política tenta obedecer aos anseios das populações, mas por que motivos as populações temem um problema, que apesar de existir, é bem menor do que aquele que parece de facto ser? A psicologia evolutiva há muito que estuda estes fenómenos. Durante o Paleolítico o Homo Sapiens (homem moderno) viveu em tribos ou grandes famílias, que estima-se, teriam a dimensão de cerca de duzentos indivíduos. Apesar do Homo Sapiens ter sempre migrado, desde África para a Europa e para a Ásia, durante gerações seguidas vivia sempre na mesma região, e por isso tornou-se bastante territorial. Batalhas tribais, massacres, violações ou homicídios eram muito comuns no Paleolítico, principalmente entre membros de tribos diferentes. Ou mesmo extermínios, tal como o extermínio que o Homo Sapiens fez ao Homem de Neandertal, apesar de hoje se saber, através dos estudos genéticos, que também houve cruzamentos entre estes dois hominídeos. Mas indubitavelmente que perante invasões do território da tribo, por parte de outras tribos ou mesmo de outros hominídeos, a seleção natural escolheu aqueles membros daquela tribo que, de forma agressiva e guerreira, resistiram e combateram os invasores. Reparemos, e aqui a parte interessante da matéria científica à luz da psicologia evolutiva, que estes traços psicológicos não obedeceram a processos racionais de decisão em defender a tribo e o território da tribo inimiga, mas resultaram de processos evolutivos, ou seja, perante a variabilidade genética afeta aos neurónios, a seleção natural escolheu os indivíduos que possuíram traços neuronais que apresentavam maior agressividade perante os invasores alienígenas, sendo que aqueles que apresentaram maior complacência ou brandura foram eliminados e por conseguinte não deixaram linhagem. Considerando que estes fenómenos se davam numa tribo geneticamente homogénea, tal também explica a enorme agressividade que os xenófobos têm perante os da mesma tribo, ou na modernidade, da mesma nação, que demonstram benevolência perante os alienígenas.

Logo, na mitologia populista mais primária, sendo que a mitologia, tal como Freud preconizava, obedece a processos psicológicos primários, o “alienígena macho, jovem e negro que pelas nossas praias entra, é aquele que tomará de assalto as nossas casas, roubará os nossos recursos e violará as nossas fecundas filhas, poluindo o seu sangue e a nossa linhagem; escravizará os nossos filhos, matará os nossos compatriotas guerreiros e demonstrará tamanha crueldade perante os nossos pais; é este o negro alienígena, a besta que entra pelas nossas praias, sob a complacência vil dos traidores da nossa tribo que o auxiliam”. Este retrato mitológico da xenofobia mais primária e populista, obedece de facto a um processo evolutivo. Foram esses os indivíduos selecionados, o que explica também porque motivo o Homo Sapiens é um animal tão agressivo perante o seu semelhante Homo Sapiens, principalmente aquele que for cultural e etnicamente distinto, o que explica ainda no meu entender, o facto de o estado ter um papel tão importante na manutenção da ordem pública, e o facto de todas as experiências anarquistas apenas terem sido bem sucedidas em pequenas comunidades etnicamente homogéneas. O Homo Sapiens, tal como muitos outros mamíferos, fez o seu périplo evolutivo na busca de recursos, considerando que sempre foi caçador-recoletor. E os recursos no Paleolítico, ao contrário do que a indústria hoje nos providencia, eram bastante escassos. Combater por recursos naturais era assim vital para as tribos no Paleolítico, daí o Homo Sapiens ser também um animal bastante territorial, o que explica as diversas guerras travadas durante a História por pedaços de terra, muitas vezes com valor económico insignificante. Ao ser extremamente territorial, guardou um forte traço psicológico na defesa desse mesmo território contra invasores alienígenas, considerando que o território era a fonte para os seus recursos e por conseguinte para a sua sobrevivência.

Por conseguinte, ao contrário do que muitos xenófobos julgam, o seu pensamento está também fortemente deturpado e “poluído” pelos processos neuronais explicados pela psicologia evolutiva, sendo que não é propriamente um pensamento racionalmente “puro”, parafraseando Kant. E embora os dados estatísticos apontem que há maior índice de população prisional nas comunidades de imigrantes, ou que, proporcionalmente há maior índice de criminalidade nas comunidades de imigrantes; o sal, o açúcar ou os automóveis matam indubitavelmente muito mais nativos que quaisquer imigrantes, e todavia não denotamos nas massas uma raiva acéfala e irracional contra o junk food ou o excesso de automóveis nas nossas cidades, que matam imensos inocentes por atropelamento. De facto, é também a seleção natural que explica a atração irracional do palato pelas comida com elevado teor de gordura ou açúcares, exatamente porque no Paleolítico os recursos naturais eram muitos escassos, e portanto, foram selecionados aqueles que deram preferência à comida mais calórica, sendo que os demais morreram famélicos. Mas o problema da modernidade nas sociedades ocidentais é exatamente o oposto, sendo que é o excesso de açúcares e o excesso de gorduras que mata, e não o inverso. Mas a nossa mente está desenhada para sobreviver no Paleolítico e não no Neolítico. Explico noutro texto este anacronismo evolutivo.

Após o Neolítico surgiram então as primeiras civilizações, e nas civilizações convivemos com outros Homo Sapiens etnicamente bem distintos de nós, sendo que na grande maioria dos países e cidades, vivem pessoas etnicamente muito diferentes, em paz, ordem e harmonia. Tal apenas foi possível devido à Justiça, ao Estado e à Lei. E a Racionalidade dita que os imigrantes estão muito longe de representar qualquer problema para a grande maioria dos cidadãos dos países que os acolhem, sendo que a grande maioria dos “anseios” das populações, obedece unicamente a processos psicologicamente evolutivos, que são catapultados pela comunicação social, qual grito e berro de um nosso antepassado que vigiava o nosso território perante ameaças de invasão alienígena, e que por conseguinte, exigia a nossa vigilância e prontidão máxima para uma reação rápida e agressiva. A xenofobia é assim perfeitamente explicável à luz da psicologia evolutiva, e também explica o medo e ódio que tais processos psicológicos representam. Há que combatê-los no quadro de uma sociedade democrática, urbana e civilizada. E a melhor forma de combater o medo e por sua vez o ódio, tal como um adulto que não tem medo do escuro pois ao contrário de uma criança já tem desenvolvidos os seus lobos frontais, é fazendo uso da Racionalidade, e portanto, da Ciência.