Gulbenkian: o misantropo arménio


Faz falta às pessoas conhecerem por vezes os étimos das palavras. Tal permite-lhes saber que denominar alguém com um certo adjetivo, pode por vezes estar etimologicamente incorreto. Um idiota é aquele, que na Grécia clássica, não se preocupava com o interesse público e apenas com os seus interesses privados. Assim, etimologicamente, em Portugal há muitos idiotas inteligentes, sem que esta frase represente qualquer paradoxo! Um filantropo, é aquele que tem amor à Humanidade, já um misantropo é aquele que lhe tem ódio. E o amor à Humanidade não se mensura apenas na compra de artefactos artísticos, obras de arte ou peças derivadas. E amar a humanidade é muito mais vasto que amar o próximo. Aliás, interessa saber de onde surge a própria noção de filantropia. Surge na era romana, como contraste anti-cristão, ou  pagão se quisermos, à caridade cristã. Indubitavelmente que a filantropia, ao contrário de muita caridade cristã, tem feito muito bem à Humanidade. Mas não podemos simplesmente eliminar dos registos históricos, o lado negro dos filantropos, como se a compra de esculturas e pinturas pudessem redimir o homem, de verdadeiros atentados ao planeta e ao próximo. Da mesma forma que não nos podemos esquecer, que para que Nobel pudesse introduzir o seu prémio milionário, teve de se tornar riquíssimo a desenvolver e comercializar o dinamite, usado amiúde em guerras e conflitos armados. Afinal de contas, Bill Gates ou Champalimaud, são de facto, até uns bons filantropos, comparados com Nobel ou Gulbenkian. Os tempos também eram outros!

Gulbenkian é naturalmente muito bem-visto em Portugal pelas melhores razões. Mas ser-se bem visto, per se, não é abonatório de ninguém! Aliás, Cristo era muito "mal visto" na Palestina; já Hitler sempre foi muito "bem-visto" no terceiro Reich, assim como Estaline, um tirano psicopata, foi herói na União Soviética, Mussolini em Itália, Salazar em Portugal ou Churchill no Ocidente. A História todavia é como o azeite! Calouste Gulbenkian ganhou milhões, milhares de milhões aquando do negócio negro em alta no Azerbaijão e Arménia de onde era proveniente. A zona de petróleo que o tornou multi-milionário, era pertencente ao Império Otomano, e foi-lhe atribuída responsabilidade pelo governo imperial para administrar e gerir os recursos energéticos nessa zona do Cáucaso. Tal como qualquer "bom jogador", para citar o clássico de Dostoievski lançado um ano antes do nascimento de Gulbenkian, sempre jogou com todas as partes, com todas as cartas, desde os Franceses, Ingleses e os próprios Otomanos, aos quais, a sua "pátria oficial", deveria jurar fidelidade. Notemos que na Primeira Grande Guerra, França e Inglaterra combateram e despedaçaram o império Otomano, deixando marcas geopolíticas que são visíveis ainda hoje, como o caso dos curdos, cujas potenciais ocidentais apoiaram ou não apoiaram consoante os seus interesses económicos. E os Curdos hoje ainda não têm pátria, ao contrário das nações árabes, porque durante a Primeira Grande Guerra, tiveram a ousadia, ou heroísmo, de combater pelo império ao qual pertenciam, o império otomano. Ou seja, enquanto as tribos árabes sempre aceitaram a ajuda inglesa para sabotar o império ao qual pertenciam, heroica e hipocritamente retratados no clássico filme "Lourenço da Arábia"; os curdos sempre juraram fidelidade à bandeira à qual pertenciam oficialmente. 

Para os Otomanos, atuais Turcos, Gulbenkian deve ser portanto um traidor, que os vendeu aos inimigos! Mas os bons jogadores são ágeis e astutos. Nacionalizou-se Inglês em 1902, ou seja, a nação beligerante com a qual o seu país haveria de combater, esteve envolvido com o governo Francês durante a primeira guerra, ganhou milhões em contratos milionários com o petróleo, não tivesse sido um ótimo negociador e financeiro. E também não consta que se tivesse preocupado em demasia com o genocídio arménio, o seu próprio povo e etnia, feita pelo governo otomano entre 1915 e 1923, enquanto gozava da sua vida burguesa entre Londres e Paris. E o que fazer a tanto dinheiro amealhado? Filantropia! A magna redenção para os grandes capitalistas.

2018, cerca de 150 anos depois do nascimento de Gulbenkian, a fundação que deixou como legado, larga o negócio do veneno negro, que tanto mal tem feito ao planeta, à natureza e à Humanidade. Foram precisos quase 200 milhões de anos (200.000.000 anos) durante toda a era Mesozoica, para se formar 70% do petróleo que hoje queimamos, material orgânico que ia fenecendo e sendo depositado no solo, para que o Homem, em menos de um século, pudesse "queimar tudo como se não houvesse amanhã". E não há pintura ou escultura que redima Gulbenkian! Tal como referia Einstein, os valores e princípios humanos não são enquadráveis em equações matemáticas. As alterações climáticas devido à queima de combustíveis fósseis, têm provocado tantos danos ao Homem, que não podem ser olvidadas com o mero apoio a obras de arte, circunscritas a um país cuja população representa 0,1% da Humanidade! Em qualquer caso, a fundação está de parabéns por largar um negócio cada vez mais associado à misantropia, do que propriamente à filantropia. Em tempos, enquanto viajava pelo cabo norte na Noruega, pronuncie-me de forma muito mais exacerbada e ofensiva, sobre outro misantropo.

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