Adolf Hitler, o cigano


O título é deveras provocatório, e não quero de todo com a referida epígrafe ofender a comunidade cigana, quero todavia ofender toda a comunidade neonazi, que via em Hitler, um indivíduo, que apesar de ser um declarado facínora e tirano, via nele um homem alegadamente reto e probo, obedecendo à clássica imagem que se tem dos germanos. Esta ofensa ao legado de Hitler é ainda mais acutilante, porque para os nazis, os ciganos não tinham estatuto maior que aquele que tinham os Judeus, e segundo estimativas, o regime nazi assassinou entre 500 mil a 1,5 milhões de ciganos Romani. Todavia, a cultura popular associa à comunidade cigana muitos dos preconceitos, que o próprio nazi catapultava, como "a falta da palavra dada", a falta de princípios, de honra, a ardileza no discurso e na relação com os outros povos, ou mesmo a burla, assim como o supremo interesse económico-financeiro acima dos valores morais. Hitler, além de facínora, tinha exatamente essas mesmas características, que muitos desconhecem.

A anexação da Áustria

O tratado de Versalhes e o tratado de Saint-Germain-en-Laye de 1919, que puseram fim ao Império Austro-Húngaro, estipulavam expressamente que a união da Áustria com a Alemanha ficava proibida, mas uma grande maioria dos habitantes que falava o alemão apoiava uma união com a Alemanha. Todavia, a Áustria, tendo feito parte de um império atá à Primeira Grande Guerra, sendo a sede desse mesmo império, era uma nação multi-étnica, e muita da sua população não via com bons olhos a anexação por parte da Alemanha. Na Áustria viviam por exemplo húngaros, checos ou croatas, sendo que a maioria da população era católica. Havia também uma grande comunidade judaica. Durante o império austro-húngaro, o imperador havia sido o aglomerador dessa mesma sociedade multi-étnica, que estava agora ameaçada com a premente anexação por parte de um regime claramente germanófilo ou pangermanista, e já mostrando sinais claros de anti-semitismo e de repúdio a qualquer outra etnia que não a germânica. O partido nazi austríaco vai a eleições em 1930, mas não ganha qualquer lugar no parlamento. Por essa altura a anexação por parte da Alemanha, era um assunto não gerava consensos. O partido nazi, então, decide virar-se para táticas de guerrilha para tentar chegar ao poder e inicia-se uma guerra civil. O chanceler Engelbert Dollfuss é assassinado pelos nazis em 1934, numa tentativa de golpe de estado. Os nazis austríacos continuam naturalmente a ser apoiados pelo partido irmão alemão, na sua luta contra as autoridades do estado austríaco. 

O novo chanceler da Áustria, Kurt Schuschnigg, negoceia uma trégua com Adolf Hitler em 1938. O acordo é explícito, ou seja, os nazis austríacos farão parte do governo e será dada amnistia para os seus crimes, em troca de uma não-intervenção militar alemã na crise política. Hitler ratifica o acordo, assina-o. Ademais, sabendo que a palavra de Hitler "valia menos que a de um cigano", Kurt Schuschnigg organiza um referendo democrático, sobre a anexação, para 13 de março de 1938. Hitler, receoso do resultado, decide enviar as tropas Alemãs no dia anterior para ocuparem política e militarmente o país. Um jornalista reportando de Paris refere que "não há ninguém em toda a França que acredite que Hitler invadiu a Áustria para não se realizasse um plebiscito que não fosse genuíno, mas para evitar que o plebiscito planeado por Schusschnigg demonstre ao mundo inteiro quão pouco relevante é o nacional-socialismo nesse país minúsculo". É que um dos motivos apontados por Hitler para a invasão da Áustria, foi o facto de o plebiscito ser alegadamente fraudulento, sendo que não havia qualquer razão para pensar que assim o fosse. Ou seja, não só Hitler rasgou completamente o contrato que havia assinado com o chanceler, fazendo dele letra morta, como invadiu o país no dia anterior ao referendo, claramente receoso com o resultado do povo. Um verdadeiro "cigano", na visão mais pejorativa do termo. Em 10 de abril, já depois da anexação, um referendo avalia essa mesma anexação com 99% de aprovação por parte da população.

Os Sudetos

Os Sudetos eram um povo germânico que viva na Checoslováquia, mais precisamente na atual República Checa, nas regiões fronteiriças com a Alemanha, mais precisamente na Boémia e na Morávia. Os Sudetos perfaziam cerca de 3,2 milhões de indivíduos, os quais representavam, no início do século XX, aproximadamente 36 % da população total da Boémia. Em 1933, forma-se o Partido Alemão dos Sudetos, com o apoio dos nazis alemães. Este partido era inicialmente unionista com a Checoslováquia, mas rapidamente começou a defender a anexação à Alemanha. A Checoslováquia, estando rodeada pela Alemanha, até tinha preparado uma linha defensiva algo organizada e bem fundeada, um pouco como os franceses haviam feito com a famosa linha Maginot na zona da Alsácia. Todavia Hitler, astuto e ardiloso como era, não queria precipitar uma guerra, e foi sempre tentando a via diplomática, mesmo que os seus adversários soubessem que a sua palavra, "valia tanto quanto a de um cigano". Após a anexação da Áustria em março de 1938, Hitler surge como um defensor dos Alemães da Checoslováquia, provocando uma crise nesse país entre a população germanófila e o governo checoslovaco. O Partido Alemão dos Sudetos exige a autonomia e a liberdade para professar a ideologia nazi (cont.).

Gulbenkian: o misantropo arménio


Faz falta às pessoas conhecerem por vezes os étimos das palavras. Tal permite-lhes saber que denominar alguém com um certo adjetivo, pode por vezes estar etimologicamente incorreto. Um idiota é aquele, que na Grécia clássica, não se preocupava com o interesse público e apenas com os seus interesses privados. Assim, etimologicamente, em Portugal há muitos idiotas inteligentes, sem que esta frase represente qualquer paradoxo! Um filantropo, é aquele que tem amor à Humanidade, já um misantropo é aquele que lhe tem ódio. E o amor à Humanidade não se mensura apenas na compra de artefactos artísticos, obras de arte ou peças derivadas. E amar a humanidade é muito mais vasto que amar o próximo. Aliás, interessa saber de onde surge a própria noção de filantropia. Surge na era romana, como contraste anti-cristão, ou  pagão se quisermos, à caridade cristã. Indubitavelmente que a filantropia, ao contrário de muita caridade cristã, tem feito muito bem à Humanidade. Mas não podemos simplesmente eliminar dos registos históricos, o lado negro dos filantropos, como se a compra de esculturas e pinturas pudessem redimir o homem, de verdadeiros atentados ao planeta e ao próximo. Da mesma forma que não nos podemos esquecer, que para que Nobel pudesse introduzir o seu prémio milionário, teve de se tornar riquíssimo a desenvolver e comercializar o dinamite, usado amiúde em guerras e conflitos armados. Afinal de contas, Bill Gates ou Champalimaud, são de facto, até uns bons filantropos, comparados com Nobel ou Gulbenkian. Os tempos também eram outros!

Gulbenkian é naturalmente muito bem-visto em Portugal pelas melhores razões. Mas ser-se bem visto, per se, não é abonatório de ninguém! Aliás, Cristo era muito "mal visto" na Palestina; já Hitler sempre foi muito "bem-visto" no terceiro Reich, assim como Estaline, um tirano psicopata, foi herói na União Soviética, Mussolini em Itália, Salazar em Portugal ou Churchill no Ocidente. A História todavia é como o azeite! Calouste Gulbenkian ganhou milhões, milhares de milhões aquando do negócio negro em alta no Azerbaijão e Arménia de onde era proveniente. A zona de petróleo que o tornou multi-milionário, era pertencente ao Império Otomano, e foi-lhe atribuída responsabilidade pelo governo imperial para administrar e gerir os recursos energéticos nessa zona do Cáucaso. Tal como qualquer "bom jogador", para citar o clássico de Dostoievski lançado um ano antes do nascimento de Gulbenkian, sempre jogou com todas as partes, com todas as cartas, desde os Franceses, Ingleses e os próprios Otomanos, aos quais, a sua "pátria oficial", deveria jurar fidelidade. Notemos que na Primeira Grande Guerra, França e Inglaterra combateram e despedaçaram o império Otomano, deixando marcas geopolíticas que são visíveis ainda hoje, como o caso dos curdos, cujas potenciais ocidentais apoiaram ou não apoiaram consoante os seus interesses económicos. E os Curdos hoje ainda não têm pátria, ao contrário das nações árabes, porque durante a Primeira Grande Guerra, tiveram a ousadia, ou heroísmo, de combater pelo império ao qual pertenciam, o império otomano. Ou seja, enquanto as tribos árabes sempre aceitaram a ajuda inglesa para sabotar o império ao qual pertenciam, heroica e hipocritamente retratados no clássico filme "Lourenço da Arábia"; os curdos sempre juraram fidelidade à bandeira à qual pertenciam oficialmente. 

Para os Otomanos, atuais Turcos, Gulbenkian deve ser portanto um traidor, que os vendeu aos inimigos! Mas os bons jogadores são ágeis e astutos. Nacionalizou-se Inglês em 1902, ou seja, a nação beligerante com a qual o seu país haveria de combater, esteve envolvido com o governo Francês durante a primeira guerra, ganhou milhões em contratos milionários com o petróleo, não tivesse sido um ótimo negociador e financeiro. E também não consta que se tivesse preocupado em demasia com o genocídio arménio, o seu próprio povo e etnia, feita pelo governo otomano entre 1915 e 1923, enquanto gozava da sua vida burguesa entre Londres e Paris. E o que fazer a tanto dinheiro amealhado? Filantropia! A magna redenção para os grandes capitalistas.

2018, cerca de 150 anos depois do nascimento de Gulbenkian, a fundação que deixou como legado, larga o negócio do veneno negro, que tanto mal tem feito ao planeta, à natureza e à Humanidade. Foram precisos quase 200 milhões de anos (200.000.000 anos) durante toda a era Mesozoica, para se formar 70% do petróleo que hoje queimamos, material orgânico que ia fenecendo e sendo depositado no solo, para que o Homem, em menos de um século, pudesse "queimar tudo como se não houvesse amanhã". E não há pintura ou escultura que redima Gulbenkian! Tal como referia Einstein, os valores e princípios humanos não são enquadráveis em equações matemáticas. As alterações climáticas devido à queima de combustíveis fósseis, têm provocado tantos danos ao Homem, que não podem ser olvidadas com o mero apoio a obras de arte, circunscritas a um país cuja população representa 0,1% da Humanidade! Em qualquer caso, a fundação está de parabéns por largar um negócio cada vez mais associado à misantropia, do que propriamente à filantropia. Em tempos, enquanto viajava pelo cabo norte na Noruega, pronuncie-me de forma muito mais exacerbada e ofensiva, sobre outro misantropo.

Dos rankings dos exames nacionais


Mais um ano letivo e mais um ranking onde se compara, objetivamente e de forma imparcial, o conhecimento científico que os vários alunos de várias escolas do país detêm. Reparai que não menciono sucesso escolar, nem aquisição de conhecimento; pois um aluno pode ter entrado numa determinada escola já com notas elevadas, e ter efetuado o exame nacional tendo obtido um resultado similar; em contraste com outro aluno que possa ter tido um progresso assinalável, sem todavia no exame nacional ter obtido uma nota muito alta. Assim, os exames nacionais mensuram, de forma clara, objetiva e justa, o conhecimento científico dos alunos. Esta métrica não considera o estrato social, a região do país, as condições de literacia dos pais, se a escola é dos subúrbios ou dos centros urbanos, a estabilidade laboral dos professores, nem outros fatores que podem influenciar a métrica. Também não mensura o conhecimento numa lógica mais ampla e humana, cingindo-se ao conhecimento de cariz científico. Todavia não deixa de ser uma métrica objetiva e justa, na medida que é igual para todos. Alguma da esquerda, na sua sanha tirânica anti-métricas, em vez de relevar os fatores anteriormente mencionados, mais não faz que simplesmente lutar para que se abula a referida métrica. A métrica não deve ser abolida, deve ser analisada, e ademais, devem-se criar outras métricas que mensurem por exemplo os resultados dos exames nacionais, ponderando os factores sociais ou de literacia dos pais. E o ministério da educação tem-nas, como por exemplo com a métrica que mensura o sucesso escolar.

Portugal tem na educação, tal como em outras matérias consideradas fundamentais como na saúde,  um sistema similar ao praticado na América Latina, que se tem revelado socialmente extremamente iníquo. Nem temos um sistema comunista, que até seria preferível ao presente sistema, na medida que proibiria escolas e colégios privados, forçando por conseguinte a igualdade de acesso a qualquer escola do país, nem temos um sistema, muito usado nos países nórdicos, onde o estado oferece aos pais um cheque-ensino para que estes possam colocar os filhos onde quiserem. Temos assim um sistema misto, que é mais usado nos países sul-americanos, conhecido por criar enormes clivagens sociais, que na prática, excetuando honrosas e particulares exceções (como a escola pública do Restelo, num bairro repleto de diplomatas e casas de milionários), resume-se à dicotomia da escola pública para pobres e privada para ricos. Este sistema agrada profundamente ao status quo vigente, quer à burguesia que pode colocar os filhos nos colégios privados e assim evitar que a sua prole se relacione com os "filhos do povo", quer ao sindicalismo pequeno-burguês, encabeçado por Mário Nogueira, cujo último interesse em qualquer uma das sua reivindicações é defender o sistema público de ensino, mas tão-somente, legitimamente como qualquer corporação, os seus benefícios e benesses salariais; garantindo acima de tudo, não que os alunos adquirem conhecimento, mas que são bem-pagos e que as paredes e infraestruturas das escolas do país são detidas pelo estado. Mas as paredes das escolas serem públicas ou privadas, em nada altera o conhecimento adquirido pelos alunos; já as sucessivas greves de professores, deterioram esse mesmo conhecimento. O status quo assim mantém-se, porque é um sistema que de facto agrada a todos os que têm voz. Vejamos o exemplo do humorista Ricardo Araújo Pereira, que muito prezo, homem de esquerda confesso que na última polémica sobre o financiamento a colégios privados manteve a sua posição ideológica junto da do governo, mas que refere publicamente que as suas filhas frequentam apenas colégios privados. E quem tem voz na comunicação social, ou são os membros dos sindicatos ou forças dos partidos de esquerda que têm uma preocupação sindical notória e vincada, mormente com referência ao setor público; ou a burguesia endinheirada que se pode dar ao luxo sem qualquer constrangimento financeiro, de colocar os seus filhos nos colégios privados, numa espécie de reduto seguro contra as "más influências", e assim assegurar o sucesso profissional da sua prole. O sistema português agrada assim cumulativamente a quem tem dinheiro e quem tem voz, sendo que a ideologia serve apenas de procuração retórica. O sistema de ensino em Portugal é assim, mais socialmente iníquo, do que o de Cuba ou Holanda, por motivos ideológica e diametralmente opostos. O sistema holandês apresenta resultados nos testes PISA, bem superiores aos de Portugal.

Digo-o, pois confesso que fiquei escandalizado com os últimos resultados, que referem que as primeiras trinta escolas no ranking são totalmente privadas. E este fosso tem-se acentuado de ano para ano. Este sistema acentuará ainda mais o círculo vicioso, visto que há mais que literatura social que demonstra que a educação é dos fatores mais importantes para o sucesso profissional do indivíduo, e por conseguinte para o seu estrato social. Obviamente que estou ciente, que a grande maioria dos colégios privados não tem alunos cujos pais têm problemas e carências sociais e financeiras. Também não me surpreenderia que os colégios fizessem algum tipo de filtragem étnica na aceitação dos alunos. Quantos negros ou ciganos encontramos nos ditos colégios privados? Ademais, os estudos sociais mais que demonstram, que existe uma correlação e causalidade entre literacia e salário, isto quer dizer que não só os filhos dos ricos, podem andar num colégio privado, como podem ter apoio pedagógico em casa de forma muito mais acessível, ou também por exemplo explicações particulares. O círculo vicioso, por conseguinte, acentua-se, criando-se aquilo que chamamos no controlo, de realimentação positiva. Aqui na Holanda donde escrevo, dois terços das escolas da rede pública, são de facto detidas e geridas unicamente por entidades privadas. Qualquer entidade privada pode fundar um escola, desde que naturalmente cumpra os critérios pedagógicos e educacionais impostos pelo governo. O estado oferece por conseguinte um cheque-ensino aos pais, por cada criança, e estes podem escolher a escola que bem entenderem para os seus filhos. Se as propinas da referida escola ultrapassarem o valor do referido cheque-ensino dado pelo estado, os pais deverão colocar a diferença. São unicamente os pais quem decide em que escola querem colocar os seus filhos, sob a máxima premissa liberal que são os pais quem melhor sabe o que é melhor para os seus filhos. O estado apenas providencia o cheque, que naturalmente apenas pode ser usado na educação dos filhos. O estado também garante, através da lei da escolaridade obrigatória, que todas as crianças têm de facto educação, evitando por conseguinte eventuais fraudes na utilização dos dinheiros públicos. Este sistema é aplicado em quase todos os países nórdicos, classicamente atribuídos às virtudes da social-democracia. Este sistema permite que os pobres, possam assim frequentar os colégios privados, sendo por conseguinte, um sistema socialmente mais justo no acesso à educação.

Concluo, a bem da desejável igualdade do acesso à educação, que o sistema de ensino em Portugal apenas pode tomar dois caminhos possíveis, no meu entender fundamentais, ou o comunismo ou o liberalismo. Ou o sistema igualitário e de qualidade vigente em Cuba, ou o sistema neoliberal vigente na Holanda, Dinamarca e Suécia. Se continuarmos com o presente sistema de ensino, que agrada ao status quo, mas não agrada à educação, dentro de anos teremos um sistema de ensino tão ou mais iníquo que o brasileiro ou o argentino. Já agora, deixo a pergunta: nos afamados testes PISA, que tanto agradaram o ministério de educação e a classe educativa em geral, qual terá sido a percentagem de alunos portugueses provenientes dos colégios privados?