Orgulhosamente incompetentes

Jamais teço comentários de natureza nacionalista ou xenófoba, muito menos comentários arrogantes que atentem contra qualquer nacionalidade, muito menos a minha. Mas há coisas que me deixam profundamente perplexo. A propósito do caso do incêndio de Pedrógão Grande, que ceifou a vida a mais de sessenta pessoas, e sobre a alegada ineficácia técnica do sistema de emergência SIRESP, o debate em Portugal reduziu-se imediatamente a questões de natureza ideológica. A culpa, alegadamente, é da parceria privada do SIRESP, e o Bloco de Esquerda fez imediatamente uma proposta de lei, para renunciar o referido contrato. Já Francisco Louçã, no seu espaço televisivo, atacou o monopólio, subentenda-se capitalista, das empresas de celulose. Mas o Bloco de Esquerda, já não criticou com o mesmo entusiasmo, nem as corporações de bombeiros, nem a GNR, que são entidades públicas, e que também tiveram enormes responsabilidades operacionais. Francisco Louçã tem plena razão quando refere que é manifestamente um exagero referir que "o estado colapsou". Não colapsou, mas foi manifestamente incompetente, e Francisco Louçã apressar-se-ia imediatamente a criticar as referidas entidades, mormente GNR e bombeiros, se estas, em remota teoria, fossem geridas por entidades privadas a mando do estado. 

Por outro lado, a direita referiu que as empresas de celulose têm as suas áreas bem preservadas, mas ignorou que muitos pequenos proprietários usam os seus terrenos para vender eucaliptos a essas empresas. A direita, revelou igualmente uma cegueira ideológica assustadoramente gritante, e em nenhuma linha da imensa prosa que publicou para atacar o governo, mencionou um fator mais que evidente, o aquecimento global, que naturalmente tem efeitos em Portugal. Já pensastes porque motivo não há floresta em Marrocos e há-a com tanta viçosidade no centro e norte da Europa? O clima, a fauna e a flora da Terra, sempre mudaram desde há 4,5 mil milhões de anos, quando o nosso planeta se formou. Mas nunca o Homem teve um papel tão importante nessa alteração. O rigor dos números que certa direita usa para atacar a demagogia orçamental da esquerda, é sobejamente ignorado, quando os números reportam a qualquer ciência que não a economia ou as finanças. Por isso, a noção enganadora que a direita é científica e matematicamente mais letrada que a esquerda, não passa de um autêntico embuste mediático. Tal é manifestamente patente nas áreas do ambiente.

O debate político em Portugal, torna-se assim, profundamente pobre. Após a tragédia, nem sequer há "trancas à porta", há apenas alarido ideológico, como se a Ciência precisasse de alarido emocional. A comunicação social por seu lado, raramente convida especialistas, convida políticos. Quando um nosso filho está profundamente doente, consultamos um médico ou o presidente da junta de freguesia? Porque não manifestamos o mesmo interesse pela pátria e pelo território? A Ciência precisa de evidências, teorias e estudo. E muito poucos políticos percebem de Ciência, mas podem ser sábios o suficiente para delegar essas decisões aos técnicos, independentemente das consequências políticas. Já a Ideologia, ao contrário da Ciência, baseia o seu impulso nas massas através da emoção, e ainda bem que assim o é, pois só assim se fizeram revoluções. Uma Revolução é sempre ideológica e emocional, e naturalmente o ser humano não deve declinar a emoção, mas, usando de uma metáfora filosófica muito bem enquadrada, ninguém consegue "ter a cabeça fria quando os seus pés estão a arder".

Exige-se por conseguinte mais racionalismo ao debate político em Portugal. Pacheco Pereira ou Ricardo Araújo Pereira por exemplo, este último que obtém rendimentos a criar emoções nos demais, têm todavia muita razão, quando fazem críticas acérrimas às redes sociais, por estas alinharem a sua dinâmica, na denominada pela psicologia coletiva, dinâmica da manada. Cabe à classe política, não se deixar influenciar pelo que pensam as redes sociais, mas não é isso que acontece, e como se sabe, António Costa, preza mais pelo que a opinião pública pensa dele, do que por aquilo que de facto o seu governo faz de errado. É altamente demagógico e ingénuo, atacar um governo por este governar "para as sondagens". Todos o fazem. Mesmo ao nível individual, nós agimos, parcialmente, em função dos outros. Apenas os ascetas e os bichos, agem sem considerar a opinião dos demais. Somos animais evolutivamente coletivos, e por conseguinte, agimos em função do que os outros pensam de nós. E gostamos por conseguinte, que o que dizemos ou fazemos, seja apreciado pelo grupo. Não há maior regozijo para um comediante, que o riso da plateia. Não há maior regozijo para um artista, que uma salva de palmas. E não há maior regozijo para um utilizador de uma rede social, do que ter muitos "gostos". Mas essa ditadura dos "gostos", molda-nos egoisticamente o pensamento, e pouco a pouco, perdemos a verdadeira individualidade e o verdadeiro livre pensamento. Por isso, Jean-Paul Sartre recusou o prémio Nobel. Porque não quis que o prémio e o facto de a crítica considerar o seu trabalho brilhante, moldasse o seu livre pensamento, porque tinha bem ciente, como homem douto que que era, que a opinião do grupo, influencia a forma como agimos e pensamos. A Liberdade não pode ser deturpada ou condicionada pela egoística satisfação que um aplauso ou milhares de "gostos" nos trazem.

E ainda a propósito de Pedrógão Grande e da incompetência, a SIC apresentou um excelente documentário sobre o incêndio, e no referido documentário, além do que já é sabido, de que o sistema de emergência falhou por diversas ocasiões, ficamos também a saber que uma carrinha de emergência nem sequer tinha combustível. Como pode um veículo de emergência não ter combustível? Muito antes da ideologia vêm as pessoas e as suas valências técnicas e de competência. A administração pública em Portugal, em determinadas situações e circunstâncias, é crónica e assustadoramente, incompetente. E não há ideologia que torne um incompetente num competente. Mas há ideologias que promovem os competentes e despromovem os incompetentes. Mas essa ideologia não medra no estado. A incompetência por parte da administração pública em Portugal, é histórica e endémica. Vede a propósito também esta excelente reportagem da SIC sobre o ataque de um submarino alemão, o U35, perto de Sagres, sobre diversas embarcações de países aliados, aquando da Primeira Grande Guerra. Lembremo-nos que ao contrário da Segunda Grande Guerra, na primeira, Portugal participou do lado dos aliados. E que embarcação envia Portugal para fazer frente ao dito submarino alemão? Uma traineira de pesca, munida com um pequeno canhão! O "desenrasca" é por vezes tido como uma virtude, e é-o em situações inesperadas, mas profissionalmente é uma tragédia. Os profissionais jamais podem fazer dessa metodologia de trabalho, o seu dia-a-dia. O profissionalismo, atinge-se com a prática, o estudo, a metodologia, a organização e o planeamento, ou, citando um qualquer jogador de futebol, com "muito trabalho". Assim o é na Arte, na Política e na Ciência.  Como vedes, a incompetência não é de hoje. E a competência é feita pelos homens, não pela ideologia ou instituições. A montante dos debates ideológicos, estão sempre as pessoas. Mas acredito que há sistemas que promovem a competência, no setor público, ou no privado. Cabe aos cidadãos exigir e primar pela competência dos governantes. Portugal não deu mundos ao mundo, sendo governado por incompetentes. Bem pelo contrário, e Sagres é prova disso!

O jornalismo trauliteiro

Todos sabemos que os jornalistas estão desesperados por cliques nas suas notícias. Se assim já o é evidente em declarações feitas em Português, onde a utilização das aspas do ipsis verbis é cada vez mais mal utilizada, com declarações totalmente fora de contexto; mais grave e notório o é quando as declarações são em língua estrangeira. Tal foi claro com as famosas declarações do presidente do Eurogrupo, em que na prática, devido ao frenesim da comunicação social do sul, ficou na opinião pública em geral a noção que Dijsselbloem acha que os países do sul gastam apenas o dinheiro "em gajas e vinho". Mas o mau jornalismo continua, pela boca de Frau Merkel, a propósito do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O que disse Angela Merkel ipsis verbis:

"Für mich ist die Ehe im Grundgesetz die Ehe von Mann und Frau"

que traduzido literalmente quer dizer:

"Para mim, o casamento na Constituição, é o casamento de homem e mulher"

E como foi publicado em toda a comunicação social em Portugal, comunicação social essa que usa e abusa das aspas, colocando na boca dos intervenientes, frases que não proferiram? Ora vede a resposta, por exemplo da SIC. Todos os outros meios de comunicação social, imprensa escrita inclusive, seguiram o mesmo mau exemplo. 


Merkel não faz uso do artigo indefinido, pois usa von e não vom (contração de von com dem), e menciona claramente que a sua opinião se baseia, na interpretação que faz da Constituição, ou Lei Fundamental, no sentido mais lato que tem a palavra Grundgesetz. Bem sei que a palavra tradução, tem a mesma raiz etimológica que a palavra traição, mas roga-se mais zelo aos tradutores que trabalham para a comunicação social, e mais deontologia jornalística por parte da comunicação social portuguesa. 

Ponte Vasco da Gama vs. Ponte do Øresund



A reação imediata do leitor comum, poderá ser evocar os salários na Dinamarca ou na Suécia, em comparação com os de Portugal, para tentar justificar a diferença colossal entre as portagens destas duas obras de arte da engenharia civil. Mas não, não há Paridade-Poder-de-Compra que justifique um rácio de praticamente 30 vezes entre o preço da portagem ida-e-volta na Ponte do Øresund entre Copenhaga e Malmö, e as portagens da Ponte Vasco da Gama entre Lisboa e o Montijo. Não somos assim tão pobres e os dinamarqueses não são assim tão ricos para um rácio de 29 entre o trajeto de ida-e-volta ao longo das referidas pontes. O salário mensal médio líquido de Portugal é de 846 euros, enquanto na Dinamarca é de 3100 euros, dando um rácio de cerca de 3,6 vezes, que compara com um rácio de 29 vezes com referência ao custo das portagens, para uma viagem ida-e-volta. Podemos assim concluir, já considerando as assimetrias salariais, que atravessar a Ponte de Øresund é oito vezes mais caro que atravessar a Ponte Vasco da Gama. 

Esta dualidade comparativa é muito interessante de atestar, porque foram duas pontes praticamente construídas na mesma altura, a Vasco da Gama em 1998 e a de Øresund em 2000, tendo os tabuleiros de ambas sido colocados pela mesma empresa. Quando a referida empresa concluiu os seus trabalhos na Ponte Vasco da Gama, dirigiu-se então para o estreito de Øresund, para começar a nova ponte entre Copenhaga e Malmö. O estreito de  Øresund separa a ilha dinamarquesa de nome Zelândia, onde se situa Copenhaga, do condado da Escânia na Suécia, onde se situa Malmö. Há todavia algumas diferenças construtivas. A ponte Vasco da Gama, com os seus 12,3 km de comprimento, que se dividem em 0,8 km de ponte principal e 11,5 km de viadutos, é considerada a mais longa ponte da Europa e uma das mais extensas do mundo. Já a Ponte de Øresund, tem apenas 7,8 km, tendo todavia em acréscimo do lado dinamarquês, uma ilha artificial com cerca de 4 km, mais um túnel submarino com 3,5 km, perfazendo o complexo no total, um comprimento de 16 km, tal como na Ponte Vasco da Gama. Ademais, a Ponte de Øresund, tal como a Ponte 25 de Abril em Lisboa, é uma estrutura rodoferroviária.

Mas a grande diferença é mesmo a cultural: enquanto os dinamarqueses e suecos não sacralizam o automóvel, para muitos portugueses, o carro é tão-somente uma continuação do próprio corpo. Por conseguinte, para muitos portugueses, taxar o automóvel e a sua utilização, independentemente dos seus custos ou externalidades, é como taxar a própria respiração.