O socialismo motorizado



Um dos melhores indicadores para a qualidade de uma infraestrutura ou modo de transporte, havendo vários à disposição dos utilizadores, é de facto, a sua utilização e repartição modal, respetivamente, independentemente dos critérios burocráticos usados para mensurar a sua qualidade. É típico, por exemplo, um governo ou um município dizer que fez imensos investimentos em ciclovias, mas que por motivos culturais, climatéricos ou topográficos, as pessoas não usam a bicicleta. Ou o mesmo governo dizer que fez imensos investimentos em transportes públicos, mas porque as pessoas são "preguiçosas", não os usam e continuam a preferir o automóvel particular. Esquecem que a questão principal, normalmente nem é a cultural, a topográfica nem a climatérica. Caso os utilizadores tivessem à sua disposição uma infraestrutura ou modo de transporte, que fosse mais barato, seguro, conveniente e célere que o automóvel, usá-lo-iam. Mas caso o estado invista milhares de milhões em rodovia, como investiu no séc XX no Ocidente, de pouco valem os esforços financeiros na construção de ciclovias ou melhoramento em transportes coletivos, porque o sistema de transportes funciona como os produtos comerciais dentro de um determinado mercado, ou seja, os transportes competem e concorrem entre si, e os utilizadores e consumidores escolhem o que mais lhes convém para as suas necessidades em função dos fatores anteriormente referidos, como tempo, custo ou acessibilidade. 

Por isso, após anos de investigação nesta matéria, não tenho a menor dúvida, que no último século, no Ocidente, vivemos um verdadeiro socialismo motorizado, onde o Estado, numa visão tirânica e impositiva de mobilidade, praticamente forçou todos os consumidores a adotar o automóvel como meio de transporte, fazendo com que o sistema de transportes coletivos de passageiros, a bicicleta ou mesmo andar a pé, se tornassem ou mais perigosos ou menos competitivos. É por conseguinte um gigantesco paradoxo, que o país que mais aplicou tal socialismo motorizado, é aquele que se arroga mais liberal, ou seja, os EUA. Mas não é assim por exemplo na Holanda, um país liberal em vários domínios, mesmo no setor dos transportes. Mas não julgue o caro leitor que na Holanda o automóvel é impedido de circular, pelo contrário, há mais gente a usar o carro na Holanda que a bicicleta ou os transportes públicos. O que a Holanda simplesmente não faz, é bloquear quem quer que seja, de adotar a bicicleta como meio de transporte, pois aplica um modelo onde existe equilíbrio concorrencial entre os vários modos de transporte. E não há meio de transporte mais libertário que a bicicleta, na medida que não estamos dependentes da tirania fiscal do estado, nem do planeamento urbano que o estado impôs às cidades, com as suas avenidas e sentidos de circulação unicamente pensados na fluidez do tráfego motorizado. A cidade aumenta drasticamente a sua porosidade viária, quando nos sentamos em cima de um selim.

2 comentários:

  1. "Pelo prazer de conduzir um BMW"!
    É claro que o planeamento urbanístico não se faz para otimizar económica e ambientalmente a função "transporte de cidadãos em meio urbano". O conforto e a vaidade média dos cidadãos condicionam fortemente as decisões políticas nesta matéria (veja-se o caso do túnel do marquês). Para além de que os impostos sobre os combustíveis usados nos automóveis são uma das principais fontes de receitas do Estado.
    Até já se fala em taxar a energia dos veículos elétricos, dos quais,não se fala aqui, infelizmente.

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    1. A função primordial da mobilidade de passageiros é permitir que as pessoas se desloquem de A para B, de forma o mais barata, segura, saudável e rápida possível, e claro, sem incomodar terceiros. Considerados todos estes fatores, o automóvel aparece em último lugar, e todavia é o que reina nas cidades. Não será um paradoxo? Não, porque se trata de facto de uma imposição industrial (indústria automóvel e de produtos petrolíferos), imposta através do estado, a todos os cidadãos. Nos EUA tal paradigma é claro.

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