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A xenofobia foi positiva para o Homem no Paleolítico
De acordo com os estudos antropológicos mais recentes, consta que no Paleolítico o Homem vivia em tribos, ou grupos, e de acordo com alguma literatura, que fez o estudo ao número de indivíduos em várias comunidades de primatas, cada tribo no Paleolítico tinha aproximadamente cerca de 200 indivíduos. É preciso assinalar que a xenofobia ou qualquer grupo-fobia foi de facto vantajosa no Paleolítico, daí a termos herdado evolutivamente, estando bem vincada no nosso sistema límbico. E a xenofobia foi vantajosa porque os da outra tribo (etnia ou grupo étnico; porque normalmente a um cristão devoto não lhe indigna ver um muçulmano louro de olhos azuis), eram estatisticamente aqueles que copulavam com as nossas fêmeas, raptavam as nossas crianças, roubavam os nossos recursos alimentares e ocupavam o nosso território. Se o Homem da atualidade, cívica e culturalmente evoluído e apetrechado com jurisdição que rege as relações internacionais, ainda é territorial, e tem-no plasmado no conceito de soberania territorial, muito mais territorial o eram os hominídeos no Paleolítico. Um bom exemplo é o caso das relações entre indivíduos de aldeias diferentes no meio rural, ou da relação de vários indivíduos de famílias diferentes na mesma aldeia. O "sangue" ao qual pertencemos, através da emoção, toma um papel extremamente importante nas decisões que tomamos. O nosso território deveria por conseguinte ser expurgado e protegido de ameaças exógenas, num tempo em que havia apenas barreiras naturais, e quando estas não existiam, restava ao Homem, a força, a violência e a agressividade, para que possa defender "a sua casa e os seus". Qualquer eventual compaixão de um membro do nosso grupo perante esses outros, deveria ser fervorosamente abolida e reprimida, em prol do interesse grupal. Daí por exemplo, a miscigenação, do ponto de vista estatístico, continuar a ser uma raridade no universo matrimonial, porque é contra-natura.
Mas todavia já não nos indignamos contra os criadores do automóvel, mesmo que mate mais de um milhão de seres humanos por ano, incluindo obviamente os da nossa tribo, da nossa família, exatamente porque não havia automóveis no Paleolítico, da mesma forma que não nos indignamos contra os criadores da bomba atómica. Porém, ficamos temerosos perante vespas gigantes (que possuem veneno que poderia ser fatal), tememos eventuais situações noturnas em densas florestas enubladas (nos homens devido ao perigo eminente de ataque de fera ou de elementos de outra tribo; nas mulheres o mesmo, acrescentando-se ainda o medo latente de violação de um outro que "poluiria" o sangue da tribo), tememos por lidarmos com mortos (questões de salubridade na presença de cadáveres, por isso desde há cem mil anos que enterramos os mortos) ou por termos a sensação de que o nosso território está a ser invadido por outros indivíduos que não partilham connosco os mesmos traços físicos ou fenotípicos. Surge-nos então um sentimento irracional, proveniente do sistema límbico e catapultado na presença das massas, que nos transmite cumulativamente medo e ódio, perante esse referido invasor. À luz desse sentimento primário, juntamo-nos a exércitos arriscando a própria vida, pois em última análise estamos a salvar a pátria, cujo termo congénere no Paleolítico era apenas o território; mesmo que para salvar a pátria tenhamos de combater a milhares de quilómetros de casa, como fizeram os alemães em Estalinegrado ou como fazem agora os americanos na Coreia do Norte ou fizeram no Vietname.
Um exemplo muito interessante de atestar na atualidade o legado do Paleolítico, é verificar que o turismo na Europa declinou abruptamente devido aos ataques terroristas, continuando todavia em alta no Brasil. Mas enquanto na Europa morreram 170 pessoas no ano passado devido a ataques terroristas, no Brasil existem 60 mil homicídios por ano. Pergunto-me então, o que é mais seguro para um americano, mediana e intelectualmente não muito prodigioso, e que passa o dia a visualizar a comunicação social para as massas, se visitar a Europa ou o Brasil. No Paleolítico a maioria dos assassinatos deveria ocorrer entre membros de tribos diferentes, tal como hoje continua a acontecer entre membros de famílias diferentes. Logo, a um estrangeiro, estatisticamente, é muito mais perigoso visitar o Brasil que a Europa, e todavia o turismo tem declinado bastante na Europa e não no Brasil. Outro exemplo é atestar que muitas pessoas têm medo de andar de avião, porque o meio natural do Homem é o solo, todavia o automóvel mata muito mais pessoas que a aviação, mesmo considerando mortes por quilómetro percorrido. O Paleolítico deixou-nos um legado psicológico, que é muito fácil de verificar no comportamento das massas.
Na civilização, a xenofobia é além de anacrónica, perigosa
A palavra civilização vem do Latim, civitas, ou seja, cidade. E de facto as cidades foram o berço da civilização, processo que se deu após a Revolução do Neolítico, quando o Homem descobriu a agricultura e passou a domesticar animais, tendo-se tornado sedentário. Ao tornar-se sedentário, pois já não precisava de migrar na busca de alimentos ao longo das diversas estações do ano, ou de seguir as rotas migratórias dos animais que caçava, o Homem, que antes vivia em clãs ou tribos, passou a viver em aldeias. Com o sedentarismo, surgiu a escrita, a arte, a lei, as primeiras profissões e a hierarquia institucionalizada. Mas no início do Neolítico, que ocorreu aproximadamente em 10.000 aC, apesar de já estar sedentário e ter meios de subsistência para o ano todo, o Homem ainda vivia em comunidades em aldeias, que partilhavam os mesmos traços étnicos. A tribo tinha apenas ficado sedentária. As primeiras cidades surgiram todavia apenas na Suméria em cerca de 5.500 aC., mas foram os clássicos gregos e romanos que deram às cidades, a noção de civilização que hoje conhecemos. Em Português temos palavras interessantes, que provêm desse étimo de cidade, como cívico, urbanidade ou civismo, qualidades que se exigem aos cidadãos ou políticos, ou seja, respetivamente os habitantes da cidade romana ou grega.
Com o surgimento das cidades por certo surgiu um problema muito delicado de gerir por parte do governador. Como lidar com a presença de pessoas de etnias ou clãs diferentes, que outrora viviam nas suas aldeias separadas? A religião e os costumes foram, de facto, os primeiros aglomeradores para a integração cultural. Os cristãos não eram bem vistos na Roma Antiga, essencialmente porque prestavam culto a um Deus que não representava os deuses oficiais do estado. O mesmo sentiam os judeus, quer na civilização grega, quer romana. Todavia, os romanos e gregos, com a sua noção clássica de Lei e Ordem, que de certa foram foram os pilares fundadores para o muito posterior estado de direito, conseguiram preservar amiúde a Paz nos territórios por si ocupados. As referidas leis romana e grega, estratificavam e discriminavam os habitantes em função da nacionalidade, do género, da riqueza pessoal ou da prestação de serviço militar, mas não o faziam normalmente em função da etnia. O cidadão na Grécia antiga era apenas o homem livre adulto e nascido na pólis. Na Roma antiga, em acréscimo, exigia-se ao cidadão o cumprimento do serviço militar. Mas sabe-se que na Roma antiga, uma forma de pacificar o Império, foi atribuir nacionalidade romana a todos os indivíduos das colónias, que eram nascidos de cidadão romano, normalmente militares destacados. Os mesmos critérios de atribuição de cidadania, eram normalmente válidos em todo o Império, independentemente da etnia. Obviamente que era difícil a alguém que nascesse escravo, obter a liberdade, mas não era raro que tal acontecesse. O mesmo para a civilização grega.
Com o surgimento das cidades e por conseguinte a civilização, surge então pela primeira vez a convivência regular de pessoas com traços fenotípicos e de etnias diferentes. Sentimentos xenófobos obviamente que sempre existiram, mesmo nas civilizações, mas normalmente foram sempre catapultados e usados por líderes demagogos para fazer a guerra entre as referidas cidades, tal como por exemplo as guerras púnicas entre Roma e Cartago, ou entre Esparta e Atenas. Mas o sentimento de pertença já não eram normalmente o fenotípico ou étnico, era normalmente o cultural ou religioso. Pela mesma razão os impérios Português e Espanhol, conseguiram expandir de forma tão eficaz a sua hegemonia cultural em povos com etnias tão distintas, ou seja, porque fizeram uso da religião. Pela mesma razão o Islão, espalhou-se de forma tão eficaz, de África à Indonésia. A cultura (em Alemão a palavra die Kultur tanto significa cultura como civilização), onde a religião tomou um papel fundamental, passou a ser o traço identitário de um povo, mesmo que o referido povo fosse, do ponto de vista étnico, bastante heterogéneo. Os sentimentos xenófobos, apesar de encontrarem os seus fundamentos nos traços fenotípicos de natureza étnica, passaram a ser canalizados para questões de natureza religiosa ou cultural, mesmo, paradoxalmente do ponto de vista evolutivo, entre pessoas da mesma etnia.
O que fez singrar a civilização, foi por conseguinte a imposição de Ordem e Lei, que para funcionarem de forma eficaz, tinham de preservar de forma o mais pacífica o quanto possível, a convivência no mesmo espaço público, de indivíduos de etnia diferentes, algo impensável no Paleolítico. Talvez para resolver este paradoxo evolutivo, é também no Neolítico que surge pela primeira vez a noção de propriedade privada. Posso conviver com o outro que abomino, mas a Ordem Cívica deve pelo menos garantir-me, um espaço que me pertence e onde o outro está interdito de entrar. Todavia, no espaço público, a convivência entre indivíduos de etnias diferentes, teve de ser uma condição essencial para a preservação da ordem pública. Caso assim não fosse, considerando que todos partilhavam a mesma cidade ou a mesma pólis, a guerra civil seria uma inevitabilidade, e por conseguinte a cidade, no caos, jamais conseguiria prosperar. Por conseguinte, com a criação da cidade, o sentimento xenófobo, apesar de ter sido positivo no Paleolítico, passou a ser contraprodutivo na cidade, tendo sido normalmente prostrado pela Lei. Posteriormente o Iluminismo e o Racionalismo, foram mais longe, ao introduzirem a Laicidade. Com a laicidade, a religião deixou de ser o cânone que molda os traços comuns que definem um povo, tendo obviamente ficado o seu legado. Mas o republicanismo precisou também do simbolismo para definir os ícones comuns dos membros que pertencem à mesma pátria, entre os quais, a figura quase deificada do presidente, a bandeira, o hino, e obviamente, normalmente a língua.
Já no início do século XX, com o surgimento das sociedades da comunicação e de propaganda, líderes extremamente astutos e demagógicos, conseguiram fazer uso do sentimento primário, que é a xenofobia, e que é exatamente catapultado pela presença de massas, para não só chegarem ao poder, mas para levar os seus países para a guerra. A história da Europa do século XX é um exemplo paradigmático, de tal mecanismo. Porque a comunicação para massas que difundem sentimentos xenófobos, terá sido o "alerta perante o invasor", que o nosso antepassado remoto no Paleolítico, por certo fazendo uso de berraria sonora, usaria para avisar a tribo, que estaríamos a ser invadidos. E perante esse estado de alerta, a nossa reação imediata só pode ser a agressividade e a violência, para estarmos preparados para uma feroz batalha para a defesa da nossa família e do nosso território. Mas se o nosso antepassado, com o seu estridente grito de alerta, conseguia avisar apenas as pessoas até onde o poder da sua voz alcançava, a comunicação social do séc. XX, conseguiu espalhar de forma nunca antes vista, a mensagem de alerta, deixando todo um povo em estado permanente de agressividade e prontidão. Este processo foi claro e evidente na Alemanha Nazi, ou na União Soviética Estalinista, e não muito diferente nos EUA, nos mecanismos que despoletaram o ódio do povo americano perante os povos cujo território os EUA invadiram.
A xenofobia continua em cada um de nós, que ninguém duvide. Como diz um provérbio japonês, é mais fácil mover rios e montanhas que a natureza humana. A xenofobia continua latente no nosso sistema límbico, a parte do nosso cérebro evolutivamente mais antiga, porque não destituímos um sentimento em 5 mil anos, que foi o resultado de pelo menos 200 mil anos de evolução. E perante um "grito de alerta", é-nos praticamente impossível não reagir. Resta-nos como seres civilizados, usarmos os nosso lobos frontais, e analisarmos de forma fria e crua, quão perigoso é de facto tal evento cujo o alerta denuncia. E perante o próximo, com traços fenotípicos diferentes dos nossos, devemos pensar cruamente que o referido indivíduo não é de todo perigoso, nem para nós, nem muito menos para a nossa tribo, e que por certo mais perigoso para todos nós, são as alterações climáticas ou o arsenal bélico das grandes potências. Mas esses, nunca foram um perigo no Paleolítico, e por isso, infelizmente, não os tememos na devida proporção.
E o terrorismo religioso cabe onde e para que serve e porque existe e porque reagimos como ovelhas assustadas ? Esse é um perigo que, supostamente, não existia no Paleolítico ? E se for um grupo a invadir a nossa cidade-civilizacao em nome de dogmas e verdades fascistas e destruidoras? Como um virus, como um cancro ? E agora como fazemos ? Ficamos a ronronar como parece sugerir no seu inconseqüente e branqueador texto ?
ResponderEliminarCaro comentador, há um paradoxo interessante nas sociedades modernas. Muitas vezes denoto mais anti-semitismo ou islamofobia exatamente nos países que têm menos incidência desses grupos religiosos. Digo-o pois julgo ser brasileiro, e julgo que apesar de tudo, no Brasil não há estes problemas, pelo menos como na Europa. E julgo que tal se prende pela noção totalmente distorcia que as pessoas têm da realidade, ao verem televisão. Da mesma forma, que quando era juvenil, porque os noticiários em Portugal apenas relatavam todos os dias os homicídios no Brasil, fiquei com a noção errada, de que era praticamente impossível circular pelo espaço público nas cidades brasileiras, sem ser alvejado por uma bala perdida.
EliminarO objetivo do ser humano, desde pelo menos o Paleolítico, é preservar a sua integridade física e espalhar os seus genes. Aliás, tal como qualquer animal. A evolução e seleção natural, seleção de grupo e seleção sexual, moldou-nos a psique, para que possamos atingir esses objetivos de forma mais eficaz: preservar a nossa integridade física e espalhar os nossos genes. Ora, no Paleolítico, as vespas, as feras gigantes, as serpentes, os ratos, os alienígenas ou os mortos, evitavam que conseguíssemos atingir esses objetivos de sobrevivência e de continuação do nosso grupo e espécie. Por isso, hoje reagimos de forma irracional a todos esses fatores, e reagimos de forma ainda mais irracional, se inseridos num grupo com várias pessoas. A individualidade, é também um marco da civilização, pois como pode imaginar ninguém sobreviveria sozinho do Paleolítico.
Assim sendo, cabe-nos, como cidadãos conscienciosos analisar especulativamente, o verdadeiro grau de perigo que cada um desses fatores nos coloca, para que possamos preservar a nossa integridade física e a nossa família, e claro, porque vivemos na civilização, o nosso conforto e bem-estar. E analisados os fatores, friamente, constata-se que o automóvel com as suas 1,3 milhões de fatalidades por ano, a poluição do ar, ou as alterações climáticas, são de facto o maior perigo para a nossa integridade física e espalhamento dos nossos genes. Mas como não existiam no Paleolítico, não lhes atribuímos o verdadeiro perigo, que de facto representam.
Respondendo diretamente à sua pergunta
Como expliquei no texto, com o Neolítico e posteriormente com as cidades-estados, o fator aglomerador deixou de ser a etnia, para passar a ser a cultura. Um ditado em Português famoso sobre esta questão dita que "em Roma sê Romano". Alguém que fosse "romano", em hábitos, cultura e costumes, estava integrado na "etnia romana", independentemente dos traços físicos. Os cristãos e judeus foram perseguidos não por serem de etnias diferentes, mas por terem uma cultura diferente, por prestarem culto a um deus que não era um deus de estado. O terrorismo religioso enquadra-se no mesmo paradigma, porque sentimos que os valores da nossa cultura, da nossa civilização, dos nossos costumes, estão postos em causa. Em Alemão die Kultur tanto significa cultura como civilização. Mas com a Laicidade, qualquer país soube acolher, de forma geralmente pacífica, culturas diferentes dentro do mesmo estado. Nesse aspeto, coube à Lei, estabelecer os princípios sobre os quais todos os cidadãos, independentemente da religião ou cultura, se devem reger, para a manutenção da paz e ordem públicas.
E obviamente, de forma inquestionável, se algum membro de qualquer cultura, infringir a Lei, na qual está plasmada a punição do incitamento à morte ou ao ódio, deve por isso ser punido, de acordo com a Lei.
Cumprimentos