Há alguns deputados e membros da sociedade civil que têm recentemente mais uma vez alertado para a insustentabilidade da Segurança Social, considerando que o Orçamento de Estado de 2017 irá novamente transferir, desta vez
430 milhões de euros, dos impostos gerais para a Segurança Social (S.S.). Mas em Portugal o que é óbvio nunca colhe. Recordo que de acordo com a Lei de Bases da S.S., esta deve ser auto-sustentável, ou seja, o pagamento aos atuais pensionistas deve provir, em teoria, apenas das contribuições dos atuais trabalhadores e demais contribuidores. Mas não é o que acontece, pelo contrário o atual governo agrava essa insustentabilidade ao efetuar o aumento das pensões sem que haja crescimento do lado das contribuições.
Quando a S.S. foi criada havia 5 trabalhadores para um beneficiário, agora esse rácio chegou a 1,2, sendo este de longe o fator mais importante para a sustentabilidade da S.S., ou seja, a demografia, agravada no nosso caso pela emigração. E quem diz que a S.S. está assegurada nas próximas décadas está a ser muito falacioso, pois tal depende sempre do que os atuais contribuidores irão receber no futuro. Aliás, a própria OCDE já refere que 40% das contribuições para a S.S. dos atuais trabalhadores já devem ser consideradas apenas como "impostos" porque nunca os vão receber no futuro; tudo para que os atuais beneficiários recebam pensões que não refletem de todo aquilo que contribuíram.
Providencio vários exemplos de injustiças e de ardis que colocaram em causa a sustentabilidade da S.S. A ordem é meramente indicativa.
1 - Os ex-combatentes que durante o serviço militar em África nunca colocaram um cêntimo no sistema, têm esses anos considerados como descontos. Caso a zona tenha sido de conflito, os anos são considerados a dobrar. Uma medida populista de Paulo Portas, que satisfez assim as exigências dos ex-combatentes sem tocar no Orçamento de Estado.
2 - Os desempregados, que enquanto desempregados estão, além de já receberem da S.S., o tempo de desemprego é considerado como descontos. Há estimativas que referem que apenas nesta parcela, o défice imposto ao sistema, ronde mais de 5 mil milhões de euros por ano.
3 - Os funcionários públicos que a partir de 2005 estão inseridos na S.S. e não na Caixa Geral de Aposentações (CGA), mas em que o Estado não coloca no sistema as respetivas contribuições referentes a esses funcionários, o que qualquer entidade patronal é obrigada a fazer. Uma medida ardilosa de Sócrates para baixar o défice sem alarido social, que além de ter colocado em causa a própria sustentabilidade da CGA a curto prazo, colocou problemas de sustentabilidade na S.S. a longo prazo, pois dentro de décadas teremos em teoria, funcionários públicos que receberão uma pensão, sem que a sua entidade patronal, o Estado, tenha colocado um cêntimo no sistema referente a esses funcionários.
4 - Aos autarcas, deputados ou juizes e restantes elites de certos privilegiados, um ano de descontos, conta como três, cinco ou mais, dependendo das regalias atribuídas a essas classes.
5 - A aquisição por parte do Estado de fundos de pensões aos privados (banca e CTT), apenas para obter receita imediata e para assim enganar o défice junto de Bruxelas, sem considerar que no futuro os encargos com pensões desses funcionários serão muito superiores ao dinheiro amealhado. Medidas levadas a cabo pelo governo de Durão Barroso com Manuela Ferreira Leite nas Finanças (CTT) e pelo governo de Sócrates (banca). Ironia do destino que o Estado veio posteriormente a colocar na banca um valor muito superior àquele que amealhou com esta operação.
6 - Durante muitos anos, o valor da pensão não refletia toda a carreira contributiva, mas apenas os melhores 10 dos últimos 15 anos. Tal gerava situações de extrema injustiça, como funcionários em que nos últimos 10 anos o seu salário era empolado pelas chefias, ou mesmo empresários, que podem definir o seu próprio salário, que se aumentavam nos últimos 10 anos antes da pensão.
7 - E claro, como já foi mencionado, o fator mais importante, a demografia, agravada pelo benigno aumento da esperança média de vida dos pensionistas, e pela emigração em massa.
Independentemente das injustiças e ardis da classe política, a S.S. será sempre sustentável, mas tal dependerá sempre do que vierem a receber os futuros pensionistas com referência às suas contribuições. Se daqui a 50 anos a S.S. pagar ao prato de sopa, garanto aos prezados leitores que teremos uma S.S. sustentável por muitos séculos. A título de comparação, na Suécia há uma fórmula robusta e imune aos populismos da classe política, que a cada ano, em função dos indicadores económicos e demográficos, estabelece o valor das pensões e a idade de reforma. Na Noruega há um fundo de pensões que obtém receitas do setor petrolífero nacional, por sinal o maior fundo do mundo, com cerca de 750 mil milhões de euros, cerca de 4 vezes o PIB de Portugal, para pagar pensões num país com metade da população portuguesa.
Escutados os especialistas em cálculo atuarial, e as recomendações imediatas são óbvias. Independentemente dos aspetos macroeconómicos e demográficos que têm uma dinâmica muito lenta e cujas soluções são complexas, a S.S. deve funcionar como funcionam os regimes privados, mas obviamente de natureza pública e com uma vertente social e assistencial. Ou seja, cada contribuidor deve ter uma conta associada, como funcionam as contas poupanças ou os PPR, devendo ter conhecimento a cada instante qual o valor total amealhado e correspondente valor de pensão em função da idade de reforma. E obviamente, todo o tipo de regalias e ardis políticos, que beneficiam quem não coloca dinheiro no sistema, devem ser abolidos e removidos da legislação.
Em Portugal como é comum desde a Magna e Egrégia Fundação em 1143, vamos vivendo de expedientes pontuais. De facto, excetuando os Descobrimentos, cuja madeira para as caravelas e naus, consta, terá sido mandada plantar ainda por Afonso III no Pinhal de Leiria; para que uma campanha fosse bem sucedida alguns séculos depois, desconhecem-se em nove séculos de História demais projetos bem sucedidos de longo prazo, nesta ínclita nação dos Lusos.