É a sobrepopulação do mundo um embuste?


Necessidades de água e comida,
de toda a população mundial vs.
de todo o gado mundial.
Fonte: cowspiracy.com
Vivemos num mundo, onde desde há vários anos se tem transmitido a tese, de que o planeta está sobrepovoado, e por conseguinte, existe a necessidade de proceder em larga escala, a medidas contracetivas para que se possa realizar o devido controlo populacional. Os membros da Igreja por exemplo, por uma questão de convicções teológicas na defesa da vida, têm-se oposto a este tipo de políticas públicas, não mencionando todavia, no meu entender, alternativas cientificamente credíveis e exequíveis. A título de exemplo, na última encíclica de Bento XVI (CARITAS IN VERITATE), muitos dos problemas do mundo moderno são abordados, mas não se descura, pela sua leitura, um caminho objetivo de como podemos, enquanto Humanidade, desmontar o sofisma relativo à tese que defende que o mundo está sobrepovoado.

Assim sendo, permiti-me caros leitores que estabeleça a título de exemplo alguns cálculos elucidativos. A cidade de Amesterdão, independentemente de ser conhecida pelo facto de as suas práticas venéreas e de consumo de estupefacientes estarem regulamentadas, oferece, tal é do senso comum, uma boa qualidade de vida e do espaço público aos seus habitantes, sendo que por esse motivo o preço do metro quadrado para aluguer ou compra de habitação no mercado livre, é dos mais elevados da Europa. O município de Amesterdão tem uma densidade populacional de cerca de 5000 habitantes por quilómetro quadrado, sendo que o planeta tem uma população de cerca de 7,3 mil milhões de pessoas. Concluímos que com a densidade populacional de Amesterdão, capital do país que se encontra no quarto lugar a nível global do Índice de Desenvolvimento Humano, toda a população mundial conseguiria viver com uma boa qualidade de vida, em cerca de 1,4 milhões de quilómetros quadrados, as áreas juntas de apenas Espanha, França e Alemanha, e menos de 1% de toda a superfície seca do planeta Terra.

Concluo, permiti-me a ousadia, que a tese que advoga que existe sobrepovoamento do mundo, é um dos maiores sofismas da era moderna, sendo para mim evidente, que a questão é de recursos e como eles estão distribuídos, mas também o consumo de carne e politicas económicas expansionistas baseadas no consumismo como fator propulsor do crescimento económico. Perguntemo-nos então por exemplo o que é que a cidade de Amesterdão tem de especial que outras cidades não têm, para que várias pessoas consigam viver com uma qualidade de vida bastante razoável, numa cidade tão compacta ou densa. A resposta é clarividente: enquanto na maioria das cidades do mundo, a repartição modal alocada à bicicleta é de menos de 5%, tendo Lisboa por exemplo, segundo os últimos censos do INE, cerca de 0.5%; na cidade de Amesterdão a percentagem de pessoas que usa a bicicleta para deslocações diárias chega a atingir os 60%.

Recordo que num espaço onde cabe um automóvel, cabem 9 bicicletas, e 30 bicicletas podem mover-se no espaço que exige a deslocação de um único automóvel. Os estudos relacionados com a capacidade e fluxo de tráfego, ditam que são precisas três vias de um determinado tamanho para mover 40000 pessoas através de uma ponte em uma hora fazendo-se uso do comboio, quatro vias para movê-las em autocarro, doze vias para movê-las em automóveis, e apenas duas vias para deslocá-las pedalando em bicicleta. Lisboa por seu lado, comporta diariamente 700 mil automóveis, e se os quisermos estacionar todos, considerando um lugar de estacionamento padronizado, ficaríamos com uma área correspondente à segunda maior freguesia de Lisboa. 

O automóvel, sendo um autêntico sorvedouro de recursos naturais, como energéticos, de espaço ou ambientais, é por conseguinte, de facto, um dos principais sustentáculos da tese, de que o mundo está sobrepovoado e por conseguinte as instituições políticas internacionais, ficam no dever moral de proceder à promoção em larga escala de diversos métodos contracetivos para controlo populacional. Logo, necessitamos de uma economia global verdadeiramente eficiente e não baseada no consumismo desenfreado ou na denominada obsolescência programada, onde os produtos não são desenhados e concebidos para serem duradouros, mas para que alimentem um ciclo económico expansionista, que paradoxalmente, e tal é clarividente pela indústria automóvel, obedece ao mais ineficiente de todos os modelos económicos possíveis. A ineficiência deste modelo, no campo da mobilidade, pode ser plasmada a título de exemplo, num simples comparativo. No outro dia enquanto tomava café com um colega de trabalho, o mesmo confessou-me que o seu automóvel era extremamente eficiente por ser híbrido, mas perguntei-lhe cordialmente se não seria simplesmente mais eficiente alugar ou comprar uma casa a dois quilómetros do trabalho e vir de bicicleta, a usar um carro eficiente e habitar a 30 km do local de trabalho. Além disso alocar a potência de noventa cavalos para locomover um indivíduo jamais pode ser em engenharia denominado de eficiência. Compreendo a posição do meu colega pois reflete o modelo de desenvolvimento insustentável e sorvedouro de recursos que enveredámos no pós-guerra, com o denominado espalhamento urbano, onde os percursos ficaram em média, para o cidadão mediano, cada vez mais longos; ou seja, à medida que a tecnologia automóvel progredia e fazia os carros circularem em média a velocidades mais elevadas, o cidadão mediano ia habitar cada vez mais longe do seu local de trabalho, normalmente na periferia da cidade. O espalhamento urbano alimentado pela política da promoção do automóvel é de facto um sorvedouro de recursos, como energia e espaço.

Mas há de facto outros problemas mundiais, porque mesmo que a Holanda, por exemplo, seja eficiente na sua mobilidade, não é sustentável nos seus recursos, ou seja precisa de muito mais espaço por cidadão, do que aquele que a sua superfície pode comportar, e o problema principal além do elevado consumismo, prende-se também com o consumo de carne. Consta, que para produzir um quilograma de carne de vaca, são necessários em média, 15 mil litros de água, 6 quilos de colheitas e 330 metros quadrados de terreno. Por conseguinte, a abstinência, mesmo que parcial, à carne de vaca, é não só uma questão de saúde, de respeito pelos animais, mas também uma questão muito pertinente a nível ambiental, até porque a pecuária é a maior responsável pelo efeito de estufa, devido ao metano emitido pelo sistema gástrico do gado bovino. Claro que, como ambientalista, não demonizo a indústria, pois é a mesma que nos providencia muitos bens que fizeram aumentar a qualidade de vida ao cidadão comum, mas o problema é que muita da indústria, devido ao modelo económico vigente, é de facto a principal responsável pelo facto de haver teorias, aparentemente coerentes, de que o mundo está sobrepovoado. Se a tecnologia industrial for usada, para aumentar verdadeira e tecnologicamente a eficiência do sistema produtivo, num modelo unicamente pragmático e técnico, e não num modelo baseado no consumismo desenfreado de bens rapidamente perecíveis, diria, que o mundo poderia comportar muitos mais seres humanos, sem se levantar qualquer questão de falta recursos. Paradoxalmente então, as visões teológicas do mundo, coincidem parcialmente com as dos ambientalistas.

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