Da Tecnologia e do (des)emprego


O académico e ex-deputado Francisco Louçã publicou recentemente no seu espaço de comentário habitual no jornal Público uma crítica latente à tecnologia, por esta contribuir parcialmente no seu entender, para o fenómeno do desemprego, mais especificamente na área dos serviços e nas pessoas com menos qualificações profissionais ou académicas.

Narro todavia como contraponto a minha experiência profissional. Já trabalhei como eletricista na construção civil, emprego que as máquinas computacionais nem num futuro longínquo tenderão provavelmente a substituir, porque se trata de um emprego in-locco que exige uma técnica intelectual e manual. Todavia já trabalhei também para uma grande empresa portuguesa de telecomunicações, na área dos serviços, cuja única tarefa era digitar números num teclado, após visualização dos mesmos num ecrã. Entretanto saí, pois achei o trabalho tão entediante e intelectualmente limitado; mas sei que a grande maioria das pessoas com esse tipo de tarefas foi dispensada devido a uma simples invenção computacional de processamento de imagem denominada por OCR, ou seja, Reconhecimento Ótico de Carateres; algo que presentemente qualquer um pode usar gratuitamente na Internet e que é usado por exemplo pelas empresas de serviços postais para detetar automaticamente o endereço e o código postal, reencaminhando as cartas e as remessas em conformidade.

Embora esteja sensível à questão do desemprego, dececiona-me a ideia geral que se tem sobre o trabalho, pois minora-se o intelecto do ser humano como elemento produtivo, mesmo podendo ser um artesão qualificado; em deterioramento de trabalhos repetitivos e pouco qualificados, muito comuns nas denominadas economias emergentes. Os trabalhos repetitivos e pouco qualificados, são nas economias modernas, por norma sempre os mais mal remunerados. Mas uma forma simples, neste encadeamento lógico, de findar com o desemprego - o meu sofisma favorito na área do emprego - seria o governo decretar, através de um projeto-lei para o efeito, que cada elevador seria obrigado a dispor permanentemente de um ascensorista, e que cada porta fosse obrigada a ter permanentemente um porteiro. Garanto aos contestatários da tecnologia, que o desemprego do país e do mundo ficaria sanado, mas tornaríamos o mundo melhor? Estariam os contestatários da tecnologia dispostos a vender as máquinas de lavar roupa e loiça que possuem em casa, para contratarem alguém que efetuasse essas tarefas?

A solução no meu entender, para o desemprego, algo que já se pratica com algum sucesso na Holanda, é a redução do horário de trabalho semanal para quem tem emprego, para que mais vagas abram para quem está desempregado. Mas não poderíamos enveredar por demagogias, ou seja, seria necessário aplicar o respetivo corte salarial. Por hipótese, se o Estado passasse todos os funcionários públicos a tempo parcial, ou seja, vinte horas por semana em vez de quarenta, poderia contratar o dobro dos funcionários. Uns ganhariam pouco mais de metade, mas outros passariam de zero, ou muito pouco, para algo razoável. Não seria isto também de certa forma, solidariedade intra-geracional? Na realidade, o corte salarial seria menos de metade para a maioria dos casos pois a carga fiscal que incide sobre o trabalho não é linear mas progressiva, sendo mais alta para rendimentos mais elevados.

O que a esquerda não compreende, é que, paradoxalmente, a solução para muitos dos problemas socioeconómicos da atualidade, é a frugalidade e a austeridade, ou seja, consumir menos, para que ao se gastar menos, possamos reduzir o horário de trabalho. Eu sou favorável à redução do horário de trabalho, mas com o respetivo corte salarial, um mecanismo pouco claro na legislação nacional. Tal no meu entender existe, porque as economias modernas estão desenhadas para que os trabalhadores trabalhem sempre oito horas por dia, ou seja, um terço do dia; e quando se aborda publicamente a questão da redução do horário de trabalho, aborda-se a mesma sempre numa ótica de guerrilha sindical, pois tem-se sempre como objetivo a manutenção do salário mensal. Todavia, não é muito claro para um trabalhador comum, como reduzir o seu horário de trabalho, tendo o respetivo corte salarial, e tal não acontece, pois as economias modernas encaram o cidadão como alguém que serve essencialmente para trabalhar em um terço do dia, e no outro terço do dia serve essencialmente para consumir, usando o capital que ganhou a trabalhar; formando-se assim um círculo fechado com realimentação positiva, que visa, em teoria, promover o crescimento económico.

Não aparenta ser lógico, que, por hipótese, haja metade da população ativa empregada oito horas por dia, e outra metade desempregada. Caso todos os trabalhadores trabalhassem por exemplo apenas a 60%, quem tem trabalho receberia menos 40% no final do mês, mas nesse caso trabalhar-se-ia apenas de segunda-feira a quarta-feira, tendo-se um fim-de-semana de quinta-feira a Domingo, e poupar-se-ia por exemplo apenas em mobilidade cerca de 2/5 do orçamento, uma das maiores parcelas dos custos das famílias. Neste caso, feitas as contas, por cada três trabalhadores que passassem a trabalhar apenas a 60%, ou seja, apenas 24 horas por semana em vez de quarenta, poder-se-ia contratar dois novos trabalhadores nas mesmas condições.

A tecnologia permite em abstrato, produzir a grande maioria dos bens essenciais a preços extremamente baixos, logo, a questão da sobrevivência do ser humano para poder levar uma vida condigna, não aparenta estar em causa. Os bens essenciais, tirando algumas exceções devido a contratos pouco transparentes com o estado, como o caso da eletricidade; estão até razoavelmente baixos. O problema é aquilo que as sociedades de consumo consideram como essencial, sendo que a título de exemplo, o automóvel é um desses bens, e para tal basta analisar as diversas taxas de motorização dos países ocidentais e particularmente de Portugal, e ter em consideração que mesmo no primeiro quintil de rendimentos do país (ou seja, as pessoas com rendimentos mesmo muito baixos, ou seja salário mínimo) há metade das famílias que tem automóvel (INE, Censos 2011). 

A tecnocracia dita, que a tecnologia pode produzir os bens essenciais a preços mesmo muito baixos, e depois o não essencial pode tomar valores bem mais altos. Por conseguinte as pessoas devem, mesmo em adultas, nunca perder o sentido de formação pessoal e tecnológica, e trabalhar em empregos tendencialmente mais intelectuais e menos maquinais, porque para as tarefas maquinais existem as máquinas que os fazem de forma mais célere, barata e eficiente. Por conseguinte as pessoas devem trabalhar também menos horas por dia, para terem mais tempo para lazer e para o intelecto, e assim também, para que se possa findar com o desemprego.

O automóvel, um sorvedouro de espaço público


A imagem que se segue é de uma praça bem no centro da cidade de Lisboa. Obtive a imagem com os mapas do Google, e depois processei-a usando Adobe Photoshop. Dupliquei a camada, em que na cópia imagética, separei o espaço pedonal, que coloquei a verde, do espaço para veículos motorizados, que coloquei a vermelho. Retirei um pouco de opacidade à camada superior, para que se pudesse ver com alguma clareza a imagem original. O resultado é que se apresenta.

Imagem mesclada.

Espaço pedonal a verde; espaço motorizado a vermelho!
Sabe qual a percentagem de verde sobre vermelho?

Imagem original. Sabe onde fica?
No resto de toda a cidade, o panorama é muito similar. Faço um repto aos leitores para que tentem aferir qual a percentagem de área pedonal em relação à área motorizada, ou seja, o rácio da área a verde sobre a área a vermelho, perguntando também aos leitores, que tentem descortinar, onde se encontra esta praça da cidade de Lisboa.

Dos valores astronómicos do sistema de bicicletas partilhadas em Lisboa


A Câmara Municipal de Lisboa, através da sua empresa municipal, cujo acrónimo é EMEL, lançou recentemente a concurso público um projeto, de acordo com o publicado em Diário da República, para aquisição, implementação e operação do Sistema de Bicicletas Públicas Partilhadas na Cidade de Lisboa. O valor do preço base do procedimento, de acordo com o anúncio respetivo, é de exatamente 289040000 euros, ou seja, aproximadamente 29 milhões de euros. Embora o projeto tenha sido aplaudido por alguns, como interessado na matéria, parece-me que falamos de valores completamente astronómicos e totalmente incompreensíveis, para os objetivos subjacentes que o projeto visa resolver, que é, de uma forma simples, colocar os cidadãos e os turistas a usar a bicicleta na cidade de Lisboa, substituindo viagens de automóvel ou mesmo de transportes públicos, por viagens de bicicleta.

Comecemos com um comparativo interessante. Comparemos este valor astronómico, ou seja, vinte e nove milhões de euros, com as propostas do Orçamento Participativo (O.P.) de Lisboa, que têm impactos tangíveis locais muito mais eficazes, e com custos por norma até 150 mil euros. Neste caso, o valor em causa daria para 193 projetos em sede de Orçamento Participativo, até 150 mil euros. Recordo que no biénio 2014/2015 a autarquia de Lisboa aprovou onze projetos para execução em sede de orçamento participativo até 150 mil euros, mais dois com valores até 500 mil euros. Maximizando os valores de todos os projetos, podemos afirmar ainda que o projeto do O.P. custa aos cofres da autarquia, no máximo, 3,65 milhões de euros. Logo, conclui-se, que os vinte e nove milhões de euros, dariam para financiar cerca de oito anos de projetos de Orçamento Participativo, sendo que numa grande parcela dos mesmos, existem projetos relacionados com a mobilidade em bicicleta.

Mas podemos continuar no domínio dos comparativos. Um automóvel tem, em Portugal, um custo total por quilómetro de cerca de 32 cêntimos. Imaginemos, o caso extremo, em que a autarquia de Lisboa, dizia a todos os ciclistas urbanos, que lhes pagaria exatamente essa quantia de 0,32€ por cada km pedalado na cidade; ou seja, o ciclista além de poupar o eventual dinheiro por km que gastaria caso optasse por usar um automóvel, ainda receberia em acréscimo de apoios públicos 0,32€ por cada km pedalado de bicicleta. Pagando esses 32 cêntimos por cada km pedalado de bicicleta na cidade, a um qualquer ciclista urbano, teríamos, com 29 milhões de euros, 90,6 milhões de km, sensivelmente uma distância equivalente a 2200 voltas ao mundo através da linha de equador. Divididos por nove anos, que é prazo temporal de aplicação do projeto, teríamos cerca de 10 milhões de km por ano. Considerando que cada ano tem 255 dias úteis, ou seja, considerando que esse financiamento seria para movimentos pendulares, teríamos então cerca de 40 mil km por cada dia útil. Considerando ainda por hipótese que um ciclista urbano, em média, pedala 5 km por dia, teríamos dinheiro suficiente para pagar as viagens diárias de cerca de oito mil ciclistas urbanos. Consideremos ainda que Lisboa tem uma população de meio milhão de habitantes, e que tem uma repartição modal alocada à bicicleta de 0,5% (INE, Censos 2011); nesse caso podemos afirmar que existem aproximadamente 2500 ciclistas por dia, que usam a bicicleta em Lisboa como meio de transporte, e especialmente para movimentos pendulares. Caso a autarquia usasse o dito valor do projeto, pagando os tais 0,32€/km pedalado a todos os ciclistas da cidade, o mesmo dinheiro daria para pagar a deslocação diária de oito mil ciclistas durante nove anos, mais que triplicando o número de utilizadores de bicicleta na cidade de Lisboa.

Parece-me, através de cálculo aritmético, que vinte e nove milhões de euros para bicicletas partilhadas, é um montante extremamente exagerado, e revela a gritante iliteracia numérica de quem gere os domínios financeiros da cidade de Lisboa, revelando em acréscimo o total e infame desrespeito pelos dinheiros públicos. Virão futuramente, não tenhamos quaisquer dúvidas, e no meu entender com alguma razão, os sectários da austeridade e do rigor das finanças públicas, referir que este valor é magalómano, referindo em acréscimo dada a total ignorância da maioria dos economistas da praça pública quando se pronunciam sobre mobilidade e transportes, que a mobilidade em bicicleta é apoiada com dinheiros públicos, enquanto que a mobilidade em automóvel é taxada. Este tipo de medidas, cujo rácio custo/proveito, é extremamente duvidoso, reforça essa ideia generalizada para a opinião pública, que os automobilistas são demasiadamente taxados, quando na realidade é exatamente o oposto que sucede.