O Prof. João Ferreira do Amaral é favorável à saída de Portugal da moeda única devido ao défice do país com o exterior |
Longe de mim querer ser arrogante e enquanto leigo colocar em causa as teorias do Prof. João Ferreira do Amaral, académico extremamente sapiente e um reputado estudioso das matérias económicas de Portugal. Todavia acompanho de perto o discurso do Prof. João Ferreira do Amaral sobre a permanência ou saída do Euro por parte de Portugal, e parece-me que o professor omite uma variável extremamente relevante na sua argumentação económica.
A razão principal em que assenta todo o argumentário do professor, prende-se com o facto de Portugal ter um défice da balança de pagamentos extremamente elevado, provocando uma crise estrutural na nossa economia, com um impacto grave no crescimento económico e provocando uma estrondosa dívida externa, ou seja a dívida do Estado, das famílias, da banca e das empresas para com o estrangeiro (não confundir com dívida pública). A dívida externa, rondava já, no primeiro trimestre de 2014, cerca 230% do PIB. Todo o argumentário do professor é coerente. Consideremos ainda que Portugal teve elevados crescimentos económicos apenas quando possuía moeda própria; pois havendo exigências sociais, o Estado teve somente que emitir moeda, aumentando ficticiamente os rendimentos dos pensionistas, funcionários públicos e beneficiários de apoios sociais, pois havendo inflação, o poder real de compra diminui.
Saindo da moeda única, Portugal poderia aumentar grandemente a sua competitividade com o exterior, pois os nossos produtos e serviços ficariam mais baratos em relação às outras moedas, incrementando assim as exportações do país, e como perderíamos poder de compra para com o exterior, as nossas importações diminuíam, fazendo com que desta forma o nosso saldo com o exterior melhorasse bastante. Segundo as previsões do professor - e a eleição recente de António Costa para secretário-geral do PS de certa forma assim o corrobora - Portugal sairá obrigatoriamente do Euro, pois as deficiências estruturais e endémicas da economia portuguesa, estarão sempre presentes, como a baixa industrialização, a baixa escolaridade ou baixa inovação tecnológica, que não nos permite competir com países como a Alemanha. As consequentes políticas de austeridade para combater estes défices causam elevadas tensões sociais, que são deveras difíceis de gerir politicamente, o que nos levará mais tarde ou mais cedo a sair do Euro. Ainda segundo as suas próprias palavras, Portugal é um paradoxo económico, pois tem uma moeda forte, com uma elevadíssima dívida externa, não podendo usar o mecanismo monetário como estabilizador automático, para baixar essa dívida para com o exterior.
A falácia do professor
Importações de bens. Fonte: INE |
Importações de bens em percentagem. Fonte: INE |
Importações de Portugal de bens em euros. Fonte: INE |
Fontes: INE, Importações (€) de bens por Local de origem e Tipo de bens (Nomenclatura combinada - NC8); Anual PORDATA: Balança comercial em Portugal |
Todo o argumentário económico e teórico do professor tem como base o facto de a nossa balança de pagamentos, mais especificamente a parte da balança comercial, ser irremediavelmente deficitária, sendo na sua opinião o mecanismo monetário a única forma para a controlar. Na minha humilde opinião tal não corresponde à verdade. A fiscalidade ainda é dos mais eficazes estabilizadores automáticos. E ao contrário de tantos produtos e serviços; em que pelas leis e tratados internacionais de livre comércio, os estados signatários de tais convenções não podem discriminar negativamente do ponto de vista fiscal tais produtos ou serviços; já em todos os países da Europa existe fiscalidade autónoma para automóveis e combustíveis, sem qualquer tipo de violação de tais tratados de livre comércio. A Holanda por exemplo, com a indústria automóvel alemã mesmo por perto na Baixa Saxónia, não se coíbe de ter das fiscalidades mais elevadas da Europa que existe sobre o automóvel, assim como sobre bens e produtos conexos, como combustíveis, estacionamento, imposto de circulação ou impostos de aquisição. Não é que as teorias de Ferreira do Amaral estejam erradas, pelo contrário, longe de mim questioná-las, estão totalmente certas; mas partem do princípio axiomático de que o controlo monetário é a única forma eficaz para controlar a balança de pagamentos, e tal parece-me ser falso.
Desde o princípio do século que as nossas importações de carros e combustíveis são cerca de 22% do total de importações de bens, e cerca de 20% do total de importações de bens e serviços. Mas este valor é mesmo muito próximo do que têm sido neste século os nossos défices comerciais em percentagem do total de importações de bens e serviços. Na realidade a nossa elevada hegemonia automóvel e taxa de motorização, o espalhamento urbano que se manifestou desde os anos 1980 com o crescimento das periferias, a deterioração constante dos sistemas de transportes coletivos de passageiros, a ostracização de formas alternativas e baratas de mobilidade como bicicleta ou mesmo andar a pé para pequenas distâncias, fez com que este fenómeno de elevada dependência do automóvel tivesse na realidade impactos severos na nossa economia. E não menciono aqui os muitos outros custos económicos, como os custos com saúde ou os custos de congestionamento (só na parcela do congestionamento, a UE estima que sejam 1% do PIB), refiro-me apenas à questão da balança de pagamentos.
Na realidade todos os países da Europa, à exceção da Noruega, são deficitários em combustíveis, e exatamente aqueles que têm economias mais pequenas como Portugal, não tendo ainda indústria automóvel própria, são exatamente esses que por questões económicas, colocam elevados entraves à importação de veículos, colocando ainda elevada carga fiscal sobre este meio de transporte. Casos como a Holanda, Bélgica ou a Dinamarca são exemplos paradigmáticos. A Holanda não adota a bicicleta apenas por questões ambientais, está muito enganado o leitor se assim o pensar, mas muito mais por questões de foro económico. De referir ainda que Portugal conseguiu nestes anos de austeridade algum balanço positivo na balança de pagamentos, exatamente com o decréscimo das importações de veículos, mas mal a compra de veículos recuperou, a nossa balança comercial voltou a ficar negativa e os problemas estruturais da economia regressaram, tal como salientou um relatório recente da OCDE.
Este poder executivo, ou seja o governo formado pela coligação PSD/CDS, foi nulo nestas matérias específicas, pois nem sequer aproveitou a crise para mudar de forma estrutural estas variáveis económicas. Lembremo-nos ainda que a primeira medida que tomou logo no primeiro mês de mandato foi o aumento significativo das tarifas dos transportes coletivos de passageiros. Desde que tomou posse, aumentou significativamente todos e os mais variados impostos e taxas de serviços púbicos, mesmo em serviços fundamentais como a saúde, e estranhamente deixou praticamente incólumes o ISV, o IUC e o ISP, exatamente os impostos que incidem sobre a compra e utilização de automóveis. De referir ainda que propôs o incentivo à compra de carro novo, através de créditos fiscais para incentivo ao abate de viaturas antigas.
Como pode constatar, professor João Ferreira do Amaral, o país tem mecanismos de natureza fiscal para sanar a sua balança de pagamentos, e esses mecanismos chamam-se IUC, ISV e ISP. Aumentado estes impostos num clima de neutralidade fiscal diminuindo o IRS, a TSU e o IRC, estou em crer que grande parte dos problemas económicos relacionados com a presença do país no Euro, ficariam imediatamente sanados.
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