Foto: Melanie Maps, do jornal Público. |
Não tendo eu automóvel particular, devo referir que considero que as portagens em autoestradas (AE) não fazem qualquer sentido nos tempos modernos. Em Portugal, como em muitas outras matérias, temos as taxações e os incentivos completamente invertidos. As portagens tinham um fundamento histórico de financiar uma estrada ou uma ponte específicas, na sua construção ou manutenção por exemplo; ou seja, eram uma taxa pecuniária consignada em que o dinheiro cobrado revertia diretamente para a manutenção ou para o pagamento do crédito contraído para construir a estrada ou a ponte. Um exemplo claro é a portagem da ponte 25 de Abril.
Como o bolo financeiro para o sistema rodoviário tornou-se comum e de certa forma coletivizou-se, sendo que até os pensionistas sem carro e sem carta de condução são chamados a pagar autoestradas através das receitas do IRS para o Orçamento de Estado, já não faz qualquer sentido haver portagens em AE, porque estas têm impactos muito menores na sinistralidade, na poluição local, no ruído e no congestionamento, em comparação com estradas convencionais ou em meios urbanos. As AE têm externalidades negativas muito mais baixas, pois têm menores índices de sinistralidade por km, os poluentes que emitem estão longe dos meios urbanos e consequentemente das pessoas e têm menores custos externos em congestionamento. Recorde-se que de acordo com a Comissão Europeia, o congestionamento rodoviário tem um impacto negativo na economia, de cerca de 1% do PIB. Havendo portagens, as pessoas deixam de usar as AE e vão por outras vias onde as externalidades são muito maiores. O caso da Via do Infante é exemplificativo desta dicotomia. As pessoas com a introdução de portagens passaram a escolher essencialmente a EN125 com níveis de sinistralidade muito mais altos, com maiores custos de congestionamento e com níveis de poluentes ou ruído junto das áreas com maior densidade habitacional.
Todavia não podemos ser demagogos, tendo em consideração que haveria perda de receita para o Orçamento de Estado. Ou seja, o sistema rodoviário que temos necessita de ser pago, e tem de ser pago essencialmente por aqueles que fazem uso dele, e que numa lógica liberal de utilizador-pagador, são geralmente falando, os automobilistas. Por isso, quer ISV, ISP, IUC ou multas deveriam no total cobrir todos os custos do sistema rodoviário, incluindo as AE. Significa, em termos práticos, que o valor total arrecadado pelo Estado nestas rubricas deveria aumentar cerca de 25%. É necessário porém portajar onde o carro é nefasto, isto é, nas cidades onde estão as pessoas em maior concentração, mais precisamente os utilizadores vulneráveis como ciclistas e peões, especificamente crianças, idosos ou grávidas; e não onde o carro é menos nefasto, como nas AE. Assim, portagens em autoestradas não fazem hoje em dia qualquer sentido. Na Holanda, por exemplo, apesar de ter uma taxação automóvel altíssima - o congénere ao IUC para um simples Renault Clio 1.2i, dos carros mais vendidos em Portugal, ronda 500€ por ano, estacionar num centro urbano custa 5€ por hora e um morador em Amesterdão paga 400€ por ano para estacionar o seu carro na rua à porta de casa - todas as AE são gratuitas para o utilizador. Temos de colocar portagens no perímetro das cidades, não em autoestradas.
Um pequeno exemplo: para quem habite nos subúrbios de Lisboa, trazer o carro para a Baixa de Lisboa é muito mais nefasto para todos que levar o carro até Évora pela AE; mas é nesta segunda opção que está o maior custo e maior proveito fiscal para o Estado. Ou seja, em Portugal temos os incentivos rodoviários exatamente invertidos. Como não tem qualquer lógica haver portagem na ponte 25 de Abril ou na ponte Vasco da Gama. As portagens são um conceito medieval, em que os transeuntes eram obrigados a pagar portagem para atravessar uma vila, um terreno privado ou uma ponte construída por uma entidade privada. O sistema de mobilidade tem de ser analisado pelo estado como um todo, como uma rede viária. A haver portagens tem de ser nos locais onde os carros são um problema grave, como os centros das cidades, e não onde não causam problemas, como na AEs para o interior.
Porque motivo os residentes de Almada têm de pagar portagens para entrar em Lisboa se os de Alverca não têm? Se há matéria onde o poder do estado, como entidade reguladora macro, fazia sentido, era este. Mais mais uma vez, o estado mete-se onde não deve, e onde deve não se mete! Mas como digo, o sistema tinha de ser pago pelos automobilistas. E como não é possível, politicamente, aumentar mais o ISP nem o ISV, julgo que o IUC tinha muita margem para subir. O valor que se paga de IUC em Portugal, mesmo já considerando salários e paridade poder de compra, é ridiculamente baixo. Nestas matérias como em tantas outras em Portugal, temos as taxações e os incentivos completamente invertidos.
Muito bom.
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ResponderEliminarÉ isso, e nem é preciso inventar muito, basta pensar "what would the danes/dutch do?" e só se a coisa parecer MESMO MUITO estranha, tipo encurralar baleias e mata-las, é que pensamos melhor na solução, fora isso é imitar os gajos
ResponderEliminar:) Calma, nem tudo o que estes tipos fazem devemos seguir: almoçar apenas batatas fritas com maionése, fazer ciclovias retirando apenas espaço ao peão (as primeiras ciclovias da Holanda são uma miséria, era o pico da era automóvel), ou sair à rua com meias e sandálias/chinelos (um tuga quando usa sandálias ou chinelos, jamais, e bem, usa meias).
EliminarExcelente texto, está de parabéns! Aumentar o IUC todavia levaria logo à berraria do costume. Como sabe o povo não argumenta, berra, como os rebanhos de cabras!
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