Lei, Ética e Costume


A palavra Ética vem do grego, mais precisamente "ethos" e significava algo como "modo de ser". Quando os romanos fizeram a tradução para o Latim, surgiu posteriormente a palavra Moral. Assim Ética, Moral e Costume têm a mesma raiz etimológica. Todavia com o tempo, a terminologia foi-se alterando, e talvez devido ao facto de os romanos terem uma visão mais pragmática dos assuntos e os gregos uma abordagem mais filosófica, as palavras Ética e Moral afastaram-se do seu significado filosófico, sendo que a Ética tenta aproximar os costumes, como os das elites profissionais, à razão da ciência e da filosofia, enquanto que a Moral adota uma abordagem de maior senso comum.

Assim, como amante da Filosofia, devo afirmar que não guardo qualquer empatia com a Moral, pois não me apraz a ideia de senso comum. Uma alegoria interessante, seria imaginar um mundo onde todos piamente acreditassem que um mais um seria igual a onze. Nesse mundo, imaginemos que existiria uma classe que tentaria aproximar o senso comum da Verdade e diria que um mais um era igual a cinco. Quem advogasse através do senso comum, e por aquilo que se denomina por "meio termo", diria que um mais um é igual a sete. O senso comum, não tem assim de ter obrigatoriamente qualquer validade científica ou filosófica, mas naturalmente obedece a uma certa sabedoria popular na forma da organização das relações interpessoais e de cada um dentro de uma sociedade. É neste aspeto que se enquadra a Moral.

O Costume

O Costume, comummente conhecido apenas por costumes, retrata assim a cultura e o conhecimento secularmente adquirido por um certo grupo de pessoas. Não obedece forçosamente a critérios científicos ou filosóficos, obedecendo sim a princípios sociológicos de relação interpessoal, a critérios antropológicos, sociais e sobre a perceção que a generalidade das pessoas tem da Verdade. O Costume, que influencia diretamente a Moral e é fortemente influenciado pela Religião, é assim a doutrina comportamental mais facilmente implantada no senso do povo, mas aquela que é menor em termos de nobreza das atitudes individuais de cada um, pois não exige ao indivíduo qualquer conhecimento intelectual que o obrigue a validar filosófica e cientificamente o padronizado, estando o Costume concebido para que o plebeu o assimile sem o questionar. Outros nomes podemos dar a este conceito, como tradição ou fatores culturais. Há todavia costumes que obedecem a uma lógica de integração com o meio envolvente e se revelam os mais eficazes do ponto de vista pragmático, para a regulação das pessoas dentro de um grupo.

A Lei

A Lei grafa os costumes em códigos e tratados, conferindo-lhes obviamente carácter científico e racional. Todavia, as bases das leis, não são a Verdade nem a Ciência, a Técnica para procurar a Verdade. As leis são assim um misto entre Ciência e Costumes. Esse equilíbrio altera-se consoante os países; por exemplo nos países árabes as leis têm uma grande influência dos costumes através de regimes teocráticos, já nos países nórdicos a influência dos costumes é diminuta, providenciando assim um carácter mais racional às leis, podendo as mesmas ser mais imparciais na forma como encaram o indivíduo e as suas liberdades individuais. A Lei não obedece assim forçosamente à Verdade nem sequer é perfeita, pois é concebida por homens. Nem muito menos o é a Lei Canónica, pois essa peca duplamente ao ser feita por homens que se intitulam legislar em nome do divino. Por conseguinte a Lei, filosoficamente falando, não é sempre o que distingue o Bem do Mal, ou o Correto do Errado. A Lei deve a priori, e ainda para mais num estado democrático, ser cumprida por parte dos cidadãos, todavia após uma análise consciente, ética e verdadeira, a mesma pode, e em alguns casos deve, ser violada. A Lei não é o caminho para a Verdade, nem para a Ciência. A Lei é aquilo que as elites, ou num estado mais democrático e participativo, os cidadãos em geral; entendem como válido e correto, nas relação entre as várias entidades e organizações que fazem parte do Estado. Se a Lei fosse cristalina e infalível, nem sequer existiriam tribunais compostos por juízes, e dentro do sistema judicial nem sequer existiriam recursos. E na mesma lógica argumentativa, infere-se facilmente que mesmo após o trânsito em julgado de um certo processo, uma certa decisão pode estar completamente errada do ponto de vista ético. A Lei também obedece a premissas de pragmatismo, para que possa na generalidade ser eficaz a sua aplicação, mas esse pragmatismo pode incorrer em situações pouco éticas em certos casos particulares. Por inferência lógica, a Lei não é obrigatoriamente sempre justa.

Ética

Abordo aqui uma visão radical daquilo que entendo como Ética, e por isso mesmo diferencio-a muito bem da Lei e do Costume. No meu entender, a Ética deve ser a dinâmica que aproxima os costumes da Verdade. Considero que um verdadeiro eticista, preocupa-se apenas em alinhar os comportamentos humanos com a Verdade e por considerações factuais, com a Ciência. Naturalmente o ser humano, como mamífero que é, é um ser complexo nas ruas relações interpessoais dentro de um certo grupo. Muito dos seus costumes nada têm de éticos ou racionais, obedecendo apenas a princípios antropológicos que hoje fazem pouco sentido. A Ética como o Homem a idealiza nunca será perfeita e por isso haverão sempre muitos opinadores sobre a mesma, mas tal incorre do facto de ser o Homem quem procura a Verdade, e como tal, poderá aproximar-se da mesma, mas nunca a encontrará no estado puro. Todavia, um verdadeiro eticista deverá sempre alinhar o Costume com a Verdade. Na Ética que idealizo não quer dizer que devamos renunciar aos prazeres mundanos, pois tal também faz parte da felicidade do Homem. Todavia se os mesmos forem prejudiciais ao Homem devem ser combatidos. Na Ética a Vida Humana é inviolável, e não obedece a relativismos morais, como o aborto ou a pena capital. A Ética não se deixa influenciar pelo lado primário do ser humano, mas alinha a sua conduta pela Razão, pela Ciência, pela Justiça e pela Verdade.

Casos práticos

O Costume diz-nos que matar um porco é menos censurável que matar um cão. Tal deve-se a motivos culturais e antropológicos pois um cão é um animal doméstico desde há milénios e o porco por seu lado desde há muitos milhares de anos que os seus antepassados foram caçados para alimentação. Do ponto de vista estritamente ético, ambos os casos de abate são censuráveis com a mesma magnitude, pois um porco não sofre de forma diferente de um cão, sendo ambos mamíferos e com uma complexidade neuronal e somatossensorial de ordem similar. A Lei, que está no meio termo, autoriza a morte do porco e não do cão, mas ao porco confere alguns direitos na forma como é tratado num matadouro.

A vida de um ser humano começa na conceção, a Ciência há muito que comprovou tal marco evolutivo. O Costume encara todavia o aborto de forma bastante diferente consoante o país em apreço e a época em questão. Por questões sociais e culturais há mulheres que abortam, com mais ou menos facilitismo de consciência, consoante a sua formação pessoal, a sua cultura e o seu estrato social. O Costume é assim cinzento nesta matéria e muito heterogéneo em função do espaço e do tempo. A Lei nos países ocidentais deixou-se fortemente influenciar pelo Costume e pela Ideologia, um requinte torpe dos costumes, construído por indivíduos que por norma não têm preocupação com a Verdade. A Lei colocou um marco temporal evolutivo, que não tem qualquer paralelismo científico definido, verdadeiro e infalível, que distingue o ponto a partir do qual o feto, entidade aniquilável, passa a ter estatuto de bebé, entidade protegida por Lei. Esse marco é única e estritamente legal, e por esse motivo é tão distinto consoante a lei do país em causa.

O Costume não censura o peão (pedestre no Brasil) que ilegalmente atravessa a rua a menos de cinquenta metros da passadeira (passagem de pedestre no Brasil) e fora desta, e o Costume fá-lo bem, pois todas as regras da estrada e do trânsito tiveram um propósito de introduzir nas leis, os normativos da indústria automóvel e dos produtos petrolíferos. O Iluminismo afastou a Lei civil da Lei Canónica com a laicização do Estado; por seu lado o Capitalismo, aproximou a Lei civil da Lei dos mercados, das finanças e do Capital, com a mercantilização do Estado. As leis da estrada, são a clara e inequívoca influência que a indústria e o poder económico do ramo petrolífero e automóvel, inseriu na legislação. Neste caso, e mesmo após agressivas campanhas publicitárias por parte da indústria, o Costume encara muitas das leis do trânsito como socialmente ridículas e reiteradamente incute nas pessoas o seu não cumprimento. É por isso que se um peão passar fora de uma passadeira num pequeno bairro, onde não haja carros, não será censurado pelos outros e por certo nem mesmo por um polícia (policial). Mas o Costume também encara com a mesma naturalidade com alguma tolerância, o que não é eticamente correto, como quando algum automobilista anda em velocidade excessiva em pequenos bairros residenciais ou quando atravessa um semáforo vermelho. A Ética, e é assim nos países mais desenvolvidos, dita-nos que não podemos comparar a ilegalidade de alguém que circula apenas com carne e osso, a pé, com alguém que circula numa máquina de uma tonelada de ferro a alta velocidade. A Ética dita-nos que nem sequer devíamos entrar num automóvel dada a hecatombe que o mesmo provoca no mundo.

A prostituição de um indivíduo é, indubitavelmente do ponto de vista ético, sempre censurável. O ato de prostituição implica que o indivíduo entregue a sua intimidade sexual, e muitas vezes emocional, a troco de dinheiro. A prostituição incorre assim na eticamente censurável mercantilização do corpo humano. O Costume, por razões antropológicas e sociais, encara a prostituição oficialmente com algum repúdio, mas tolera-a de forma oficiosa. A Lei, influenciada pelo Costume e pela Religião, por vezes proíbe, noutras vezes regula. Na Holanda a prostituição está perfeitamente regulada, e as mulheres são presenteadas nas montras como bens de consumo. Tal, não significa que os legisladores holandeses considerem tal ato eticamente aceitável, todavia, devido ao pragmatismo anteriormente referido que é exigido à Lei, o legislador holandês entendeu que era preferível regular, a proibir.

Os impostos são um caso interessante. Seria sempre eticamente aceitável que os impostos atingissem os valores que o legislador entendesse? Obviamente que não. Os impostos, nos tempos modernos, também não são eticamente aceitáveis porque não são justos, taxando de forma desproporcionada rendimentos de capital e rendimentos de trabalho. A fiscalidade é um caso interessante onde a Lei há muito se afastou da Ética. O Costume nesta matéria, nos países mediterrânicos e latinos, também não é eticamente aceitável, pois tolera com total indiferença e complacência a fraude e a evasão fiscais.

Conclusão

Existem assim, no meu entender, três estágios nos "modos de ser" e "nos modos de agir" do indivíduo. O primeiro é amplo e diz respeito ao Costume, e exige do indivíduo pouca iniciativa intelectual, tendo apenas que cumprir com o secularmente estabelecido através da educação. No segundo estágio está a Lei, ou seja, um princípio nobre de cidadania, a que o indivíduo letrado e democraticamente inserido procura cumprir. No terceiro estágio, está a Ética, destinada apenas aos mais nobres, aos Filósofos, àqueles que conseguiram romper, através da Razão, não só o Costume, como os ditames injustos da Lei. A todos, é possível caminhar do primeiro estágio até ao terceiro, e tal como referia Kant, o que impede o Homem de sair dessa menoridade intelectual, por norma são o comodismo e a preguiça. É mais fácil simplesmente cumprir com a tradição e os costumes do que procurar cumprir a Lei. E muito mais exigente é, dedicarmo-nos à leitura, à análise e ao pensamento, para percebermos que o doutrinado pela Lei, na realidade nem sempre é justo, verdadeiro ou eticamente aceitável. 

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