Sou um homem de esquerda, que vota na direita!

O Estado social, não vive sem capital. As pensões e os salários não são pagas em géneros!

O título poderá parecer contraditório e o subtítulo uma evidência, mas convém que a esquerda portuguesa tenha-o bem ciente, quando discursa em público e pretende fazer alianças políticas. Sou um homem de esquerda e sempre o fui, pois defendo o Estado Social, pois acho que a culpa do estado do país é da banca e do sistema financeiro e não dos RSI; pois defendo que ninguém deve dormir na rua, pois defendi a construção de bairros sociais quando muitos diziam que o Estado não tinha que construir casas discriminando quem pagou por elas; defendo um sistema de saúde apenas público e gratuito, uma justiça sem taxas, defendo as grandes matérias de interesse público e de interesse pela res pública, e porque prefiro usar a minha criatividade e capacidade intelectual em projetos filantropos e enquanto voluntário em associações, do que a criar uma empresa visando o lucro. Porque tenho aversão ao grande capitalismo financeiro apátrida, ao marketing agressivo em que vivemos em que uma coca-cola é mil vezes mais publicitada que uma maçã, quando esta última é mil vezes mais saudável e benéfica; porque defendo o espaço público contra as diversas privatizações parciais e temporárias que as autarquias fazem, porque defendo uma taxa Tobin nas transações financeiras, porque sou favorável simplesmente à anulação dos contratos das PPP rodoviárias, resumindo, porque considero que o interesse das elites ou de corporações não deve sobrepor-se ao interesse público. É essa a essência ideológica da esquerda, é essa a essência do Marxismo, quando defendia que o povo, o proletariado devia ser saciado nos seus interesses, em detrimento dos interesses financeiros das elites e das corporações, ou seja da burguesia capitalista.

Todavia o que me distingue da "esquerda moderna", daquilo que apelido de esquerda sofista, perdoe-me o leitor a eventual arrogância, é que em vez de ter tido formação em jornalismo, sociologia ou advocacia; quis o destino que tivesse estudado matemática. Se o Marxismo obedece a uma dialética materialista, a esquerda moderna já a abandonou há muito tempo. O que move a esquerda contemporânea são apenas floreados, discursos apaixonados e vazios, exaltados e sem qualquer conteúdo válido. Basta ouvirmos falar Ricardo Araújo Pereira, Ana Drago ou Daniel Oliveira e facilmente reparamos que nunca se ouve um número vindo das suas bocas. Um número qualquer que seja. O indivíduo de esquerda a quem atribuo maior rigor intelectual nesta matéria é Francisco Louçã, e mesmo este por vezes desvia-se na sua argumentação das questões basilares das finanças públicas, das despesas do Estado com prestações sociais e salários. A esquerda moderna obtém o seu eleitorado, nos incautos e nos autistas, nos desprevenidos, nos lunáticos ideólogos e nos matematicamente iletrados. A esquerda moderna há muito que perdeu a sua dialética, a sua arte de raciocinar com método, como define o dicionário da língua portuguesa, ficando-se apenas por intenções sem qualquer pragmatismo contabilístico. 

A esquerda diz-se "anticapitalista", mas apenas pede aumentos de capital

Na realidade a esquerda moderna é uma adaptação torpe ao sistema capitalista. Quando o PCP defende sistematicamente as greves no sector dos transportes públicos, prejudicando seriamente a qualidade do serviço prestado aos utentes, está na realidade a defender o interesse de uma elite burguesa corporativista, em detrimento do interesse coletivo. O que move qualquer greve nos dias de hoje não é o interesse público, as condições laborais ou de segurança no trabalho ou mesmo benefícios sociais, como foi sempre a origem das greves desde finais do séc. XIX, é tão-somente as necessidades mensais de capital dos trabalhadores dessas empresas. A polícia e os enfermeiros protestam por mais subsídios (mais capital), os professores não querem ser avaliados (menos progressão, logo menos capital), os funcionários das empresas de transportes públicos querem mais subsídios noturnos e não querem cortes nas horas extraordinárias (capital) e os médicos querem trabalhar menos horas com o mesmo salário (mais capital). Trata-se apenas de uma questão de semântica, mas o que move qualquer ação sindical nos dias de hoje, é na realidade apenas e tão-só, o capital.

Os problemas que a Europa atravessa nos dias de hoje, não são na realidade ideológicos, são muito mais "materialistas". O Estado social para sobreviver nos dias de hoje, precisa de capital, de impostos e de crescimento económico. A não ser que haja uma revolução na Europa como a de Outubro de 1917 na Rússia; a esquerda como se encontra poucas alternativas tem ao panorama atual, que difundir discursos floreados sem qualquer conteúdo válido. As pensões e os salários não são pagas em géneros! A esquerda moderna tem uma aversão visceral à matemática; e nessa esquerda, enquanto homem de esquerda que sou, nunca votarei! Se analisarmos com minúcia as medidas parlamentares da esquerda, são todas no sentido do aumento do défice público; ou aumento de despesa (mais salários, pensões, benefícios), ou diminuição de receita (menos impostos). Nos últimos anos, todos os impostos e contribuições cobrados, cerca de 60 mil milhões, deram para pagar apenas salários e prestações sociais. E as PPP ou os swaps, foram exatamente as consequências dessa aversão aos números da esquerda PS; que para enganar as contas públicas do défice e da dívida, se envolveu nesses esquemas e contabilidade paralelos. A esquerda que é ideologicamente anticapitalista, contribuiu largamente para a quase bancarrota do Estado, com a pressão constante no aumento de salários e pensões, ou seja, capital; ainda para mais quando o país fazia esses pagamentos à custa de dívida pública, contraindo juros; juros esses que agora a mesma esquerda vem referir (e bem) que são agiotas.

Sou um homem de esquerda, e emito aqui um cheque eleitoral quase em branco. Quando um partido de esquerda, me apresentar números e medidas muito claras e objetivas, que visem contas públicas equilibradas, terá o meu voto. Até lá, voto na direita!

3 comentários:

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  2. Bom dia, gosto muito do teu blog(permite-me tratar tu). Quem sabe este sonho não estará próximo. Sou um social liberal. Após muitos anos sem ter um lado político. Mas que tendencialmente votava direita, exatamente pelos mesmos motivos que tu. Decidi juntar-me ao partido Inicitativa Liberal.Até agora, não tenho tido problemas em apresentar as minhas ideias "mais de esquerda". O partido inclusive tem tentado não ser definido como direita ou esquerda. Mas liberal. Uma federação de liberais. A minha pergunta, muitas coisas que dizes defender neste texto como homem de esquerda. Têm espaço no social liberalismo? Li o teu manifesto social liberal. E parece-me que sim. Mas depois também dizes que Holanda "é neoliberal".

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    1. Bom dia, podes tratar-me por tu à vontade. Agradeço! Também simpatizo com a IL, embora julgo que tendem a desconsiderar a natureza humana em alguns aspectos, isto é, somos Homo Sapiens, não somos Homo Economicus providos meramente com racionalismo nos atos decisórios. Sim, julgo que a IL tem espaço no social-liberalismo porque na IL defendem o modelo europeu de liberalismo, como se aplica por exemplo na Holanda, e não o modelo americano. Quando digo que a Holanda é neoliberal é apenas um ato provocatório, na realidade a Holanda é social-liberal. Ou seja, o estado delega tarefas sociais para privados mas garante que todos tenham acesso a saúde ou educação. No caso da educação toda a gente tem direito a educação gratuita, mas a grande maioria das escolas são privadas.

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