Existe uma estória da carochinha, muito propalada pela elite provinciana e pequeno-burguesa de Lisboa, de que é necessário trazer automóveis para o centro da cidade, para desta forma incrementar o comércio local e da Baixa pombalina, comércio esse que sofre desde há muito com a forte concorrência desleal das grandes superfícies. Essa linha de pensamento, que é mesmo acolhida de forma quase fanática por grande parte das associações do sector comercial de pequenos comerciantes, dita que é necessário trazer mais carros para os centros urbanos, para que as pessoas venham às compras à Baixa por exemplo, podendo competir desta forma com as grandes superfícies, apetrechadas com vastos espaços para parqueamento.
Ora, tal ideologia é acolhida por indivíduos que cumulativamente, por norma só podem ser ignorantes e provincianos. Não há mal ser-se provinciano e defender a nossa “aldeia”, mas convém ter espírito aberto para observarmos como se faz por outras urbes europeias, ainda para mais num país que deu mundos ao mundo. Todavia, quando ao provincianismo bacoco se alia a ignorância cega e sectária pró-automóvel, a desgraça instala-se nas urbes portuguesas.
Há que perceber que o centro Comercial Colombo em Lisboa está quase sempre cheio, não por estar à beira da segunda circular ou por estar apetrechado com um enorme parque de estacionamento, mas porque na realidade é uma pequena cidadela repleta de ruas estritamente pedonais, onde é prazeroso passear e consequentemente consumir. Aliás, há mesmo muita gente que se desloca para estes centros comerciais de transportes públicos, não fosse a área do centro Colombo excelentemente servida por transportes públicos, como várias carreiras de autocarros ou o metropolitano. O mesmo se pode aplicar aos centros Dolce Vita ou ao Vasco da Gama. Porque será que a Rua Augusta está repleta de pessoas onde o comércio fervilha, e nas suas paralelas do Ouro e da Prata, mesmo ali ao lado, o comércio definha? Caros comerciantes, não é preciso tirar um doutoramento em Coimbra para perceber o elementar, basta observarmos o sucesso em que se tornou a av. Duque D’Ávila em Lisboa para os seus comerciantes após a redução do tráfego automóvel. Quem passa de carro, além de tornar o espaço insalubre e desagradável, não pára para comprar!
As imagens que vemos, são
da Haia, a terceira maior cidade dos Países Baixos (conhecidos simplesmente como Holanda) e das cidades com mais milionários do mundo (tal como Londres, Moscovo ou Nova Iorque). A cidade é habitada por altos quadros internacionais de várias nacionalidades, não fosse na Haia, estarem instalados a título de exemplo o Tribunal Penal Internacional, a Europol, o Tribunal para os crimes de guerra da Ex-Jugoslávia, o Instituto Europeu de Patentes, uma delegação da OTAN ou a Organização Mundial para a Proibição de Armas Químicas. É também a sede de várias grandes empresas holandesas e multinacionais como a Shell, a PostNL (correios holandeses) ou a KPN (congénere holandesa da PT). É ainda a capital política da Holanda, ou seja, onde a Rainha tem a sua moradia oficial, onde se encontra o parlamento holandês, os estados gerais e onde se situam a maioria dos ministérios holandeses, como o da Defesa, da Justiça, do Ambiente, da Habitação, dos Negócios Estrangeiros ou da Administração Interna.
As imagens foram obtidas pouquíssimas horas antes do importante jogo da seleção holandesa com a Costa Rica, para os quartos de final do mundial do Brasil, mesmo assim, apesar de os holandeses serem na generalidade apaixonados pela sua seleção, ocupando desde já os bares e cafés, as ruas continuam com gente que aproveita o tempo para ir às compras.
Poderá ainda pensar o leitor luso mais bacoco, que a vasta panóplia de políticos, diplomatas, altos quadros internacionais e multimilionários do sector petrolífero, que na ânsia e na obrigação de mostrar o seu estatuto social perante os demais, não prescindiriam de todo de trazer os seus luxuriosos automóveis de elevada cilindrada para o centro da cidade. Mas não o podem! A grande maioria das artérias e das ruas do centro da Haia, são estritamente pedonais. Se quiser trazer o carro, terá de o estacionar no perímetro dessa área, e terá de pagar. E não é pouco mesmo para um holandês, são 4 euros por hora. E o estacionamento “à moda do sul” por aqui não existe.
Já em Lisboa, uma cidade com uma larga fatia da população composta por ex-provincianos, campónios e saloios, migrados do meio rural desde os anos 40, para trabalhar no sector industrial da zona oriental da cidade, onde por lá nas suas terras no seu tempo, o único meio de transporte a que tinham acesso, quando havia dinheiro, era uma besta (mula, macho, égua ou burro); essa gente, nos tempos modernos não prescinde de todo do seu estatuto social automobilístico, nem autoriza de todo através do frenesim e verborreia que lhes são conhecidos, que lhes tirem o sacro direito a trazer o automóvel para os centros urbanos. Afinal, parafraseando Carlos Barbosa, presidente do ACP, “as pessoas precisam de se deslocar”! Ao que parece, os holandeses nunca foram muito sensíveis às homilias moralísticas de Carlos Barbosa. Presumimos que deve ser da barreira linguística, pois é de difícil compreensão para um holandês, entender o habitante de um país europeu, que esteve à beira da bancarrota, mas que está no top 3 da Europa em número de automóveis por habitante.
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Vlamingstraat, a Rua do Flamengo, na Haia. Carrinhos de bebés, passeia-se com animais, e pessoas com sacos de compras, incrementando o comércio local. |
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Grote Markt, Grande Mercado
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