É comum ouvirmos por vezes alguém afirmar que Lisboa não tem condições para pedalar por causa das sete colinas. Explicarei que tal deve-se puramente a desinformação e desconhecimento da realidade. A cidade norueguesa de Trondheim é um exemplo
clássico de que a orografia não é de todo um fator impeditivo para que
as pessoas adotem a bicicleta como modo de transporte quotidiano.
Dizer que não se pedala mais em Lisboa por causa das colinas,
é faltar à verdade e ter falta de visão no âmbito do paradigma da
mobilidade. Mostra-se o mapa topográfico da cidade de Trondheim, uma
cidade com cerca de 180 mil habitantes onde a temperatura média durante o dia no Inverno ronda os dois graus negativos.
Relevo da cidade de Trondheim. Fonte: Google maps 18% da população usa a bicicleta no dia-a-dia. |
Relevo da cidade de Lisboa. Fonte: Google maps Menos de 1% da população usa a bicicleta no dia-a-dia. Fonte: Censos 2011 |
Em Trondheim 18% da população, muita dela estudantil, usa a bicicleta no dia-a-dia. Este valor compara com menos de 1% em Lisboa segundo os Censos 2011. Já Varsóvia na Polónia, é uma cidade praticamente sem relevos ou colinas, sendo quase totalmente plana, mas que tem uma percentagem ínfima de pessoas que adota a bicicleta no dia-a-dia. Estes dois exemplos mostram que a topografia do terreno, não é de todo o fator mais preponderante para cativar ou desincentivar o uso da bicicleta.
O facto é que Lisboa não tem sete colinas, o mito das sete colinas foi criado por Frei Nicolau
no século
XVII, empenhado em arranjar um paralelo apressado com a cidade de Roma,
num provincialismo típico dos portugueses. Na realidade em Lisboa as colinas ocupam apenas 15% da área urbana da cidade e 80% das cerca de 700 mil pessoas que habitam em Lisboa moram e
trabalham fora das áreas das colinas. A maioria dos fluxos que se fazem
dentro da cidade entre casa e trabalho são na marginal e no eixo Baixa-Campo
Grande, na sua maioria zonas planas ou com inclinações muito baixas. De acordo com investigador Paulo Guerra dos Santos, cerca de dois terços de Lisboa tem inclinações muito baixas, pois 67% da cidade tem inclinações inferiores a 10%. Já de acordo com o trabalho de Rosa Félix, mestre pelo Instituto Superior Técnico, 75% da rede viária de toda a cidade de Lisboa, tem um declive inferior a 5%.
A verde, a maioria do espaço é plano ou com muito pouca inclinação. A amarelo, os eixos com inclinação moderada a ligar as zonas a verde |
Lisboa é
verdadeiramente formada por um lado por alguns planaltos, onde ficam
situadas as zonas da av. 5 de Outubro e av. da República entre a zona do
Saldanha e o Campo Grande, passando pelas zonas da praça de Londres,
av. de Roma e do Brasil, ou av. de Berna e praça de Espanha; e por outro
lado, por um eixo totalmente plano junto ao rio, que vai da zona do
Parque das Nações até Algés. A ligar estas duas zonas há alguns
eixos com uma inclinação muito suave, como por exemplo a av. Fontes Pereira
de Melo e a av. da Liberdade, ou a av. Almirante Reis que com uma inclinação aceitável liga sempre a direito a zona da Baixa junto ao rio à praça do Areeiro.
E como resolver as inclinações?
Todavia, Lisboa não deixa de ter ruas bastante inclinadas. Lembro-me por exemplo da calçada da Estrela, das ruas paralelas ao parque Eduardo Sétimo, da rua Alecrim ou da calçada do Combro. Existem ainda avenidas com declives muito acentuados como a Av. Infante Santo. Nestes casos há várias soluções:
Caminhos alternativos com declives mais baixos.
O meu pai dizia-me que quando esteve no Ultramar em África os elefantes, por seu lado muito pesados, ao subirem uma colina nunca subiam a direito, subiam na diagonal e aos ziguezagues pois ser-lhes-ia mais fácil. Existem vários caminhos alternativos entre dois pontos, e por certo num desses caminhos, apesar de o caminho ser mais longo, a inclinação poderá ser menor. Em tempos tive que me deslocar com frequência entre o Campo das Cebolas, junto ao rio, e Campo de Ourique, no topo da cidade. Comecei por fazer o trajeto até Santos, sempre a direito e depois fazia uma subida de montanha pela av. D. Carlos I, calçada da Estrela e depois pela rua Domingos Cequeira. O trajeto era tão árduo que desincentivava qualquer ciclista mais motivado. Então passei a fazer pela av. da Liberdade, pelo largo do Rato e pela rua do Sol ao Rato, que apesar de ser mais longo, o trajeto era menos inclinado sendo assim mais fácil de efetuar.
Entre dois ponto há vários trajetos possíveis, alguns dos quais com menor declive que os outros |
Bicicleta com mudanças
Uma das grandes invenções durante o século XX foi a bicicleta com mudanças, que serviu exatamente para suprir as referidas inclinações. A maioria das bicicletas hoje em dia traz várias mudanças, que lhe permite subir as ruas mais árduas ou inclinadas com muito maior facilidade. O problema normalmente prende-se com o facto de se ter de ir a uma velocidade mais reduzida, em paralelo com o tráfego rodoviário que segue a uma velocidade por norma excessiva, remetendo o problema em causa para o excesso de velocidade na cidade de Lisboa. Tal é bastante revelador na av. Fontes Pereira de Melo no sentido ascendente.
As mudanças da bicicleta são uma excelente ferramenta para subir ruas com muito declive |
Bicicleta elétrica
Uma grande invenção tecnológica foi a bicicleta elétrica. Não poluente, não faz praticamente ruído e ocupa pouco espaço tal como as restantes. Por cerca de 900€ compra uma bicicleta elétrica. As bicicletas elétricas têm normalmente uma potência até 250W, que é mais que suficiente para auxiliar o ciclista urbano nas subidas mais elevadas. Ou seja, perante uma subida acentuada, será quase como se estivesse a pedalar numa zona plana.
Esta bicicleta por exemplo, além de elétrica é dobrável tornando-se assim extremamente versátil para o dia-a-dia podendo ser transportada facilmente em qualquer transporte público |
Elevadores para bicicletas
Uma solução que foi implementada na cidade de Trondheim com muito sucesso foi um cicloelevador público. Nada de novo para os urbanistas da cidade de Lisboa. Na realidade o elevador de Santa Justa não foi concebido para turistas, foi para transportar os lisboetas, que na altura se deslocavam essencialmente a pé, entre a zona da Baixa e a zona do Carmo. O mesmo para os elevadores da Bica, da Glória ou do Lavra. Antes de terem sido atrações turísticas tinham uma função pragmática de transporte de pessoas, no seu dia-a-dia, de uma cota mais baixa para outra cota mais elevada. Ora o mesmo princípio pode ser perfeitamente adaptado a bicicletas. Foi o que fez o município de Trondheim num cicloelevador público, numa rua com uma inclinação de 20%, e que é um sucesso na cidade, essencialmente no verão. Os ciclistas colocam o pé sobre um suporte metálico preso por um cabo, puxando o ciclista para cima ao longo da rua. Nada de tecnologicamente muito complexo, mas a experiência dita-me que as grandes soluções muitas vezes estão na simplicidade.
O cicloelevador Trampe, é um sucesso na cidade de Trondheim onde existem ruas com inclinações muito acentuadas |
Elevadores convencionais
Bem mais simples é a implementação de elevadores verticais convencionais, mas com a capacidade suficiente para o transporte de uma ou duas bicicletas. O ciclista coloca-se dentro do elevador com a sua bicicleta de forma simples e preferencialmente sem ter de a dobrar ou levantar, e após a saída, através de uma cota mais elevada, tem um alcance muito mais abrangente na cidade a partir desse ponto. Infelizmente, muitos dos elevadores públicos na cidade de Lisboa, ou não autorizam o uso de bicicletas por razões sem qualquer lógica aparente, ou simplesmente não foram concebidos com o espaço suficiente para comportarem bicicletas.
Agora lede bem a conclusão que poderá parecer estranha, mas na realidade não o é. De facto, quando inteligentemente aproveitadas, as colinas não são um obstáculo mas uma vantagem. Dou-vos o meu exemplo. Morava em Braço de Prata em Lisboa à cota de 22 metros e quando queria deslocar-me para o Marquês de Pombal à cota de 54 metros (variação ascendente de 32 metros) tinha duas opções. Ou ia sempre a pedalar em zona plana junto ao rio até à Baixa da cidade e depois subia a Av. da Liberdade, ou então colocava a minha bicicleta no comboio na estação ferroviária de Braço de Prata (com a cota de 24 metros), e em duas estações estava na estação de Entrecampos (cota de 70 metros). Depois com a bicicleta o trajeto era sempre descendente de Entrecampos até ao Marquês de Pombal pela av. da República e av. Fontes Pereira de Melo, numa variação descendente de 38 metros. Sem praticamente muito esforço e graças à CP - cujo comboio funcionava como elevador - e à força da gravidade, deslocava-me de bicicleta muito facilmente entre minha casa e o Marquês de Pombal. No percurso inverso descia a av. da Liberdade, ia sempre em plano junto ao rio e depois subia novamente até à cota de 22 metros onde morava.
Da próxima vez pense muito bem antes de levianamente afirmar que "Lisboa não tem condições para bicicletas por ser das sete colinas"!
Segundo o trabalho da Rosa Félix, os declives em lisboa são ainda mais favoráveis: 75 % rede viária em toda a cidade, com declive <= 5%
ResponderEliminarMeu caro João
ResponderEliminarAs pessoas não usam porque não lhes apetece...
Porque haveriam de querer? por ser mais saudavel e barato?
Em Portugal não existe uma vontade de pedalar como noutros paises
mas que fazer? Obrigar as pessoas a andar de bicicleta?
Cumprimentos
Ok, que assim seja, mas rogo que não me venham com o embuste das colinas!!!
EliminarCumprimentos
Olá. Acho que o teu 3º mapa é enganador:
ResponderEliminar- não existe uma faixa larga junto ao rio sem inclinação. Existe uma pequena faixa estreita,
- As faixas amarelas fazem parecer que tem baixa inclinação. Mas muito pouca gente consegue subir a fontes pereira de melo e muito menos a Marechal Gomes da Costa, que são 2 kms a 4% !!!
Ou seja, a zona ciclável de lisboa está reduzida a um planalto na zona de alvalade, e à zona do Parque das Nações/Moscavide. Fora isso só tens uma faixa junto ao rio e a baixa pombalina (que não devia ser ciclável, devia ser pedonal com proibição total de qualquer veículo ).
http://i.imgur.com/4ek5Km6.jpg
As zonas a verde junto ao rio podem ter sido exageradas, mas apenas em alguns troços. No Parque das Nações, há uma larga fatia que é plana, assim como em Belém. Mesmo em Santa Apolónia tens uma estrada interior à avenida que também é plana. O que poderá estar-te a fazer confusão é o tráfego ou o facto de a Av. Infante D. Henrique ser uma autêntica autoestrada citadina, prejudicando a segurança mas isso remete-nos para outra questão que não a orografia do terreno.
EliminarPeço desculpa mas a Fontes Pereira de Melo é perfeitamente exequível no sentido ascendente para quase toda a gente, mais uma vez o problema está no excesso de velocidade e no tráfego e não na inclinação.
cumprimentos
A fontes pereira de melo faz-se bem pela inclinação. Subir do marquês para o el corte inglês é mais puxado. Tem 50 metros de desnível em vez de 30 e é mais curto. As vezes subo a bernardim ribeiro que é mais a pique e chega a 19% de inclinação. Aí já não é para todos.
EliminarCaro Paulo, o problema de Lisboa para circular em bicicleta é o tráfego rodoviário e as velocidades e não as colinas. Usando de um expressão popular, as colinas "são desculpas de mau pagador".
EliminarJá não me lembro quem sugeriu isto em tempos: umas 4 ou 5 carreiras de autocarros com espaço para bicicletas, que subiriam e desceriam as colinas, seriam suficientes para permitir um acesso simples a todos os pontos da cidade.
ResponderEliminarCompare-se 4 ou 5 carreiras, com a quantidade de investimento e dinheiro gasto no dia-a-dia para ter a cidade do automóvel a funcionar... são trocos.
Concordo caro Miguel, dizer que Lisboa não dá para pedalar por causa das colinas é o dos maiores embustes da mobilidade em Lisboa desde 1147
EliminarO maior problema de Lisboa são os automobilistas. São assassinos em potência e, seja por maldade ou incúria , representam um perigo real e violento.
ResponderEliminarCorretíssimo, o maior problema para se poder circular de bicicleta em segurança em cidades como Lisboa ou Porto, é de facto, a insegurança rodoviária provocada pelos veículos motorizados. É muita massa e muita velocidade.
EliminarTanto a avenida da Liberdade, como a Fontes Pereira de Melo como a Almirante Reis não são muito inclinadas mas são compridas... Torna-se cansativo percorrer uma inclinação suave longa. É preferível inclinação acentuada mas curta... a questão que assusta as pessoas não é a inclinação mas sim o comprometimento da rua ligeiramente inclinada... Pelo menos eu vejo muito boa gente queixar-se da avenida da Liberdade portanto julgo que o dilema está aí...
ResponderEliminarO que se assusta as pessoas não é a inclinação nem o comprimento das avenidas, mas os carros, as velocidades excessivas do tráfego motorizado nessas avenidas com perfil de AE. É isso que assusta os ciclistas, principalmente os menos experientes, da mesma forma que os assusta a 5 de outubro ou a 24 de julho, sendo totalmente planas.
EliminarJá agora permitam-me que vos diga que a falta de adesão das pessoas à bicicleta em geral, além do medo óbvio de partilhar estrada com automóveis está muito na forma como são feitas as campanhas de sensibilização. Vcs são agressivos e as pessoas reagem mal... Qualquer fórum pela mobilidade tem vários artigos a dizer mal do automóvel e da mesma forma escrever "da próxima vez pense muito bem antes de afirmar" não vai convencer ninguém... Pelo contrário vai dar uma imagem de que os ciclistas são arrogantes e fanáticos...
ResponderEliminarUm pinto jamais pode ser agressivo perante uma leão, mesmo que queira. Quem na estrada tem mais massa, mais inércia, mais peso, mais velocidade, quem é potencialmente mais letal e por conseguinte, mais agressivo, são os condutores dos veículos motorizados.
EliminarO problema do ciclavel é bem mais profundo. 2 palavras: Cultura e Civismo e isso meus caros ser o capuz a qualquer um seja peão (que somos todos), ciclista e automobilista! Existe uma alergia a regras é é isso que nos aflige...
ResponderEliminarNão é só isso, a questão é bem mais profunda. Essa é uma visão redutora. Porque podemos ter duas pessoas totalmente irresponsáveis sem qualquer civilidade, mas a que estiver ao volante de um camião, causa mais estragos, do que aquela que está ao volante de um ligeiro, e a que está ao volante de um ligeiro, casa mais potencialmente estragos, que a que está sentada num selim. Percebe? Não é por acaso que ser piloto de aviação civil é mais exigente que ser carroceiro.
EliminarObrigada!!!
ResponderEliminarMuio boa essa matéria! Enfrenamos o mesmo problema e São Paulo com a declividade, mas com uma bike razoável sobe-se qualquer ladeira. Estarei em Lisboa para uma expedição de lançamento de livro sobre exploração do território a pé e de bicicleta. Se estiver interessando, manda-me uma mensagem no [email protected] que te passo as informações.
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