Perdoai-me portugueses, não quero ser agiota


Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como um usurário; não lhe imporeis usura. Êxodo 22:25 


As progressões geométricas são fodidas,
e os portugueses foram tidos como incautos
O Orçamento de Estado para 2014 é dos mais duros e dos mais rigorosos nos cortes salariais aos funcionários públicos sendo que a austeridade já havia feito cortes de diversas regalias sociais como por exemplo as pensões dos ex-funcionários públicos. Caros leitores, sou matemático, estudei matemática e dou lições de matemática, não contem por isso comigo para alinhar na lógica populista e demagoga da esquerda neoburguesa. Mas confesso que já estou enjoado com o cartel de economistas com linhas de pensamento liberal, que sistematicamente refere que é preciso cortar na despesa do Estado, para manter as contas públicas em ordem, quando não ousam referir uma única palavra em relação aos juros abismais que o país paga aos agiotas.

Quando o país estava à beira da bancarrota em 2011, emprestei 1000€ aos portugueses através de títulos do tesouro nos CTT. Passados dez anos, os Portugueses pagar-me-ão quase 2000€ numa taxa de juro composto de cerca de 7% ao ano. Ou seja, os portugueses, que vivem na pobreza e na miséria, pagar-me-ão a mim, credor do estado, o dobro daquilo que pedi.

Dir-me-á a tríade de liberais que berra contra a despesa do Estado – por exemplo o Raposo que escreve no Expresso, o César das Neves que escreve no DN e o Medina Carreira  – que os juros estão indexados ao mercado e por menos que isso não se emprestava dinheiro a Portugal. Então coloquemos de uma vez as contas públicas em dia e expulsemos de vez os agiotas. Sou matemático, e não é preciso ter fundamentos de aritmética mais complexos que um qualquer merceeiro para perceber que se Portugal nunca teve excedente orçamental desde a revolução de abril, mais tarde ou mais cedo, o país entraria em falência sem conseguir pagar os seus compromissos (a seita engravatada aduladora dos mercados denomina default a este cenário).

O que me deixa mesmo muito indignado, é que nunca ouvi de qualquer economista de pensamento liberal, e que tenha algum amor próprio à nação, revoltar-se contra os juros abismais e agiotas que o país paga aos seus credores. Portugal paga em 2014 cerca de 7,2 mil milhões de euros apenas em juros o equivalente ao que paga para o SNS, é um BPN por ano. Neste orçamente de estado para 2014, estão então alocados os tais 7,2 mil milhões de euros só para pagamento de juros que representam 4,3% do PIB, que é exatamente a meta do défice para esse ano. Simplificando, se Portugal desse o calote apenas nos juros (diga-se por sua vez agiotas), pagando naturalmente como pessoa de bem, o valor que pediu emprestado, não precisaria de ter feito todos estes cortes anunciados no OE2014 e ficaria sem défice público orçamental. Parece estranho, não é?

Portugueses, quero assim publicamente pedir-vos perdão pela minha prática usurária. Não sinto que após 10 anos enquanto credor, mereça receber o dobro daquilo que vos emprestei. Se pensardes que muito provavelmente gastaria esse montante em compras em Portugal, parte desse dinheiro poderia ser injetado na economia nacional. Todavia, grande parte da dívida pública portuguesa, está nas mãos de agiotas capitalistas internacionais, que mais não fazem que emprestar dinheiro aos países, para viver à conta dos juros usurários que lhes praticam. O memorando da tróica, e concordo totalmente com o PCP na adjetivação mas por motivos ideológicos distintos, é assim um pacto de agressão aos portugueses. Dizer que o país não teria dinheiro é falso, completamente falso. Não continuaria a máquina fiscal a funcionar e cobrar impostos? Os impostos não chegariam para as despesas? Solução: calote aos juros e aos bancos das PPP rodoviárias e que os mesmos nos penhorassem então as autoestradas. Só nestas duas parcelas estão cerca de 7% do PIB.

O neoliberalismo e a lógica de mercado assenta os seus ideias no primarismo do ser humano, nos sentimentos mais primários, como a posse, a aversão à partilha, a intriga, a querela, renegando o cooperativismo e a entreajuda. Já o comunismo, sob a capa de um comunitarismo, apenas instiga a um dos sentimentos mais primários e mais heréticos: a inveja dos bens do próximo. Evoquemos assim uma república de Platão, autor para quem os juros era uma prática injustificável. Tenho pena que João César das Neves - dizem que é católico mas nunca deve ter lido as Sagradas Escrituras – nos omita nas suas crónicas a referência aos juros.

É que houve em tempos um usurário cristão-novo que se dedicava à matemática negra (a matemática ao serviço do mal) e que começou a usar um ábaco para fazer uns cálculos elementares, e concluiu facilmente que a um juro de “apenas” 7% ao ano, como é composto, passados 10 anos, o devedor já lhe deve o dobro daquilo que lhe emprestou. Passados 40 anos, deve 15 vezes mais. Os agiotas dominam muito bem as progressões geométricas.

Portugueses, quero assim reiterar, enquanto seguidor da matemática benévola e da Bíblia, que não me sentiria bem em receber passados 10 anos, o dobro daquilo que vos emprestei, assim sendo, quero apenas os 1000€ mais o valor da inflação, e nem mais um cêntimo. Se aceitasse a agiotagem praticada sobre vós, precisaria de um papa para me confessar, assim sendo o diferencial correspondente, deixo aqui lavrado, entregarei como doação ao Estado.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Percebo a ironia. Tenho refletido muito nessa questão e acho que a banca devia ser totalmente pública; ou melhor deveria apenas existir um banco público. Esse banco público deveria emprestar dinheiro, após análise criteriosa do investimento (estariam proibidos os créditos ao consumo), os juros deviam ser iguais à inflação e o risco de incumrpimento deveria ser arcado pelo Estado.
      Cumprimentos

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