[Carta pública enviada ao Primeiro-Ministro] Consequências graves da elevada taxa de motorização de Portugal


Exmo. Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Pedro Passos Coelho

Num momento em que todos os portugueses fazem sacrifícios estóicos no combate à crise, importa relevar que a austeridade poderá ser a oportunidade de oiro para mudar o nosso paradigma trágico no que concerne à mobilidade das pessoas e bens. Nos últimos anos tomámos medidas erradas, e não apenas do ponto de vista financeiro, mas também medidas muito graves no que concerne ao investimento público no campo da mobilidade, essencialmente rodovia, cujas consequências serão deveras gravosas para a saúde, bem-estar e economia dos portugueses.

Presentemente, Portugal, segundo a revista Forbes, tem a taxa de motorização absoluta mais alta do mundo com 778 veículos por cada 1000 habitantes e é o terceiro país da União Europeia com mais automóveis ligeiros per capita, revelando um comportamento de dependência nos seus quase 6 milhões de carros.

Em Portugal, os carros e os combustíveis representam cerca de um quarto das importações (2010). Em 2010 esse valor foi cerca de 16 mil milhões de euros, agravando seriamente a balança de pagamentos de um país a ser regido por credores, um país que perdeu soberania e que se transformou num protetorado, em parte devido ao défice acumulado da sua balança comercial. Há cerca de 6 milhões de automóveis em Portugal. Considerando um preço médio de €14000, obtém-se um valor patrimonial nacional de 82 mil milhões de euros, cerca de 50% do PIB e superior ao empréstimo total que Portugal obteve da troika. Considerando que um automóvel tem uma desvalorização média anual de cerca de 12%, o país perde de ativos todos os anos cerca de 10 mil milhões de euros, apenas na desvalorização do seu parque automóvel.

Portugal é o terceiro país da Europa com mais automóveis por mil habitantes, bens onerosos para as pessoas, sendo todavia dos países com maiores assimetrias sociais e dos mais pobres da zona Euro. Em Portugal o salário mínimo nacional é de €485, sendo dos mais baixos da Europa e auferido por 600 mil pessoas, em Portugal neste momento existe 35% de desemprego nos jovens e dois milhões de pessoas vivem no limiar da pobreza. 85% dos reformados recebem menos de €500 por mês de pensão e o país tem o pior nível salarial dentro da zona Euro. Há milhares de falsos recibos verdes, sem quaisquer direitos consagrados no Código do Trabalho. No total, Portugal tem cerca de um milhão de desempregados e tem o maior fosso da União Europeia entre ricos e pobres. Todavia Portugal tem dos melhores parques automóveis da Europa. Em número de veículos por mil habitantes, o país só é ultrapassado pelo Luxemburgo, um país rico onde o ordenado mínimo é cerca de €2000 por mês, e pela Itália, um país que faz parte do G8 e com uma indústria automóvel de relevo.

As Parcerias Público-Privadas (PPP) rodoviárias representam cerca de 50% de todas as PPP, que representam um arrombo nas finanças públicas que estão a ser pagas com desemprego, austeridade, pobreza, cortes salariais, fim de abonos sociais, de educação, saúde e estado previdência. As PPP rodoviárias custarão no total cerca de 1000€ por português.

A maior causa de morte em Portugal são as doenças do coração, ceifando a vida a cerca de 37 mil portugueses por ano. Um dos principais fatores de risco deste tipo de doenças é o sedentarismo. A promoção da mobilidade automóvel promove drasticamente o sedentarismo. Portugal, segundo dados do Eurostat é o segundo país da UE com mais mortes por pneumonia e o primeiro em mais mortes por AVC. Há uma forte correlação entre os fumos do escape de veículos automóveis e mortes por pneumonia. Já um dos fatores de risco para os AVC é o sedentarismo. Como já referido, os gases emitidos pelo automóvel, como hidrocarbonetos, monóxido de carbono (CO), óxido de nitrogénio (NOx), partículas em suspensão e óxido sulfúrico (SOx) provocam graves patologias para a saúde humana, havendo diversos estudos académicos que relacionam mesmo milhares de mortes por patologias respiratórias com os gases emitidos pelo automóvel.

Os acidentes de viação provocados por automóveis já mataram mais portugueses do que a guerra colonial. Por exemplo, Entre 1961 e 1974, ao longo de 13 anos, morreram no ultramar na guerra colonial 8289 soldados portugueses. Entre 1991 e 2004, ao longo de também 13 anos, morreram nas estradas portuguesas 25644 portugueses, três vezes mais.  Em Lisboa e no Porto são atropeladas em média quatro pessoas por dia. Em 2011 morreram 118 pessoas atropeladas

Um terço das emissões de dióxido de carbono, que provoca efeito de estufa e aquecimento global, vem dos transportes, sendo quase na totalidade, por veículos automóveis. Portugal ratificou o protocolo de Quioto, onde se comprometeu a diminuir essas emissões, sendo que neste momento o país está em violação das metas que se comprometeu cumprir.

99% dos automóveis em Portugal, movem-se a derivados do petróleo, matéria prima que não é endógena, e que é necessário importar. 2/5 da energia total (sob todas as formas) que Potugal consome, está nos transportes, um dos índices mais elevados da Europa.

Só em Lisboa, entram cerca de 700 mil veículos automóveis todos os dias. O parque de estacionamento equivalente, seria em termos de área, a segunda maior freguesia de Lisboa. Nesse espaço, poderiam estar jardins públicos, espaço de lazer ou praças para usufruto dos munícipes. Há milhares de pessoas de terceira idade, com carrinhos de bebé, ou com mobilidade reduzida, cuja mobilidade está seriamente limitada, pois o estacionamento em vias pedonais é uma constante nas cidades, impedindo-lhes a mobilidade e pondo em causa a sua segurança.

O tráfego automóvel, é o maior causador de ruído nas cidades, que provoca uma série de doenças ao nível endócrino, como stress, perturbação do sono e mesmo enfarte. Um em cada cinco europeus sofre de qualquer tipo de patologias provocadas pela poluição sonora dos automóveis. Entre 1990 e 2004 houve um aumento no parque automóvel em Portugal de cerca de 130 por cento. Se num pequeno bairro haviam cem carros, passaram a haver 230.

A sociedade portuguesa precisa de refletir em conjunto sobre todos estes dados, sobre todos estes factos, e exige-se a todos, classe política, jornalística e essencialmente à sociedade civil, que tome medidas que mudem drasticamente este rumo trágico. Quero apenas sensibilizar V. Exa. que a austeridade poderá ser a oportunidade de oiro para mudar de atitudes e de paradigma no que concerne à mobilidade.

A solução passa por incentivar os transportes coletivos de passageiros, promover os modos ativos fazendo as cidades mais amigas dos peões e dos velocípedes e imputar aos automoblistas através das diversas molduras fiscais, os verdadeiros custos das externalidades provocadas pela elevadíssima taxa de motorização em Portugal.

Com a consequente melhoria da qualidade de vida, maior aumento de rendimento das famílias, diminuição do nosso défice comercial com o exterior, e diminuição dos gastos com saúde, por certo que todos estes dados se repercutiriam no crescimento do PIB e na melhoria das contas públicas.

Com os meus melhores cumprimentos

João Pimentel Ferreira

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