Habemus Papam


Ao que parece o novo papa adotou o nome de Francisco em homenagem a Francisco de Assis, o mesmo que fundou a famosa ordem dos franciscanos. Ora, para quem não sabe, a ordem dos franciscanos obriga a voto de pobreza, e quem se junta à dita ordem, caso tenha bens, tem de entregar todos os seus bens à ordem, pois no mosteiro, em plena austeridade, não precisará de bens supérfluos e frívolos, que afastam o crente da divindade. Os franciscanos são os mesmos que usam fatos de serapilheira, aquele material usado nos sacos de batatas, como sinal de extrema humildade e pobreza, no que concerne à indumentária.

Ou seja, esta nomeação, apesar de eu ser acérrimo crítico da história eclesiástica da Santa Sé, por variadíssimas razões relacionadas com a opressão teocrática e o despotismo, não posso deixar de congratulá-la. E diria mais, no campo ideológico-político esta é uma nomeação bem de esquerda ao homenagear Francisco de Assis.

Numa época em que as gentes se entregam aos devaneios do capital, onde os trabalhadores de qualquer área profissional têm como único objetivo o aumento salarial, numa época onde só tem credibilidade quem se apresenta de fato e gravata, desde políticos até vendedores de casas, passando por usurários de cartões de crédito, numa época onde quem não tem carro, não tem estatuto social, numa época onde os grandes centros comerciais se apinham de pessoas nos dias santos, para comprar roupa numa lógica desenfreada de melhoramento de aparência pessoal, numa época onde não há qualquer respeito pelo planeta, pela natureza, pelos animais, onde o objetivo padrão do homem comum é cumprir o sonho americano, de enriquecer a jogar no euromilhões, numa época onde a esquerda estrebucha devido aos cortes salariais no sector a que indubitavelmente Marx denominaria por burguesia, numa época onde há imensas pessoas com excesso de peso, devido aos excessos da gula, numa época onde se gastam milhares de milhões na investigação de cirurgias plásticas para melhorar a aparência do corpo, numa época onde são referências Oprah Winfrey ou Cristiano Ronaldo, e numa época onde o termo austeridade é encarado como um termo depreciativo e negativo, a Santa Sé, escolhe para seu sumo pontífice um homem que adotará o nome de Francisco, em homenagem ao homónimo de Assis, o mesmo que criou a ordem que se orgulha de viver em austeridade, que faz voto de pobreza e que vive uma vida de frugalidade e temperança!

Não sendo eu de todo concordante com muitas das decisões do Vaticano, com esta só posso eu congratular e esperar vivamente que o novo papa, seja uma voz ativa contra esta corrente capitalista, cujo objetivo máximo do indivíduo é amealhar dinheiro, que vai invariavelmente do grande banqueiro ao plebeu. Sim, há plebeus e pseudocristãos mais capitalistas que banqueiros, pois só assim se explica que Portugal, por exemplo, seja dos países onde mais se joga no euromilhões e quando os referidos plebeus ganham o dito prémio, e após entrevistados fica-se sempre a saber que com o dinheiro ganho, irão comprar carros topo de gama, casas luxuosas e diversos itens de luxo.

E se o papa, fizer mesmo jus à herança antroponímica sacral que guardará no nome oficial, terá obrigatoriamente que apontar o dedo num auto de fé que se queira humanista e diplomata, aos indivíduos no mundo, e ás correntes ideológicas que são antagónicas aos princípios das ordens franciscanas, e essas correntes nefastas que difundem o capital, a riqueza, o poder, a aparência e a exuberância como valores máximos dos tempos modernos, têm a raiz bem definida: Estados Unidos da América. Caros cristãos, permiti-me a ousadia, mas ao que parece não será apenas na República Islâmica do Irão, que sabiamente, os orquestradores contemporâneos do capitalismo terão como epíteto o “Grande Satã” 

«Se queres ser perfeito, vai vender tudo o que tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro nos céus; depois vem seguir-me.» (Mateus 19:21)
«Jesus, olhando-o, disse: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Pois mais fácil é passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus.» (Lucas 18:18-30)

8 comentários:

  1. Distribui as tuas riquezas e dá explicações de matemática de graça e terás um lugar por certo no céu!

    ResponderEliminar
  2. Não julgues que não penso nisso várias vezes....

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Do pensamento ao acto, a distância é muito longa, por vezes infinita.

      Eliminar
  3. Se estudasses matemática saberias que o vazio e o infinito são meras abstrações teóricas...

    ResponderEliminar
  4. Tal como os anteriores Pontifices, Francisco não foi escolhido para ceder às pressões politico-mediaticas do dia ou às vontades individuais de cada pessoa; para isso cada um podia "be your own Pope" e lá se ia a reserva moral na terra, a fé, esperança e caridade. É nesse contexto que as pessoas não compreendem as obras coletivas de tantos crentes como são as grandes igrejas, universidades e hospitais ao serviço de todos em nome de um Bem maior.
    Para desagrado de quem acha normal gastar muito dinheiro em health clubes ou sofrer com dietas e roupas opressivas, tudo para cultivar a sua imagem individual mas escandaliza-se com um pequeno ou grande sofrimento por Deus - um dia de jejum, abster de comidas luxuosas, não ir para o trabalho de carro à sexta-feira, ou, bem mais duro, aceitar um desvio nos nossos planos, uma gravidez inesperada, uma doença complicada, contrariar os desejos pessoais para benefício de quem nos rodeia, etc. desiludam-se.
    O Bispo de Roma não tem ideologia de esquerda ou direita, tem fé.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A vida é feita de dissabores, e temos de saber lidar com os mesmos, mas não espere que eu volte para a idade da pedra, apenas porque fanáticos de esquerda e cardeais têm algumas coisa contra smartphones ou preservativos. Se uma mulher quiser, livremente, ter relações sexuais comigo, e eu não estiver numa relação, qual o problema de ter sexo com a mesma sem compromisso? Hã?! Deus não existe! Viva o Hedonismo! Mas com respeitinho, pelo próximo!

      Eliminar
  5. A Santa Sé tem centenas de anos de experiência política, embora não se assuma política. Aprenderam com as eras, tal como os políticos experientes e os partidos seculares, a não ligar muito ao que está na lei ou na doutrina, para assim acompanhar as tendências do momento, e navegar suavemente na espuma dos dias. Por isso, Francisco será mais um papa banal, diplomata como sempre, mas adaptado aos novos tempos (casamento gay, aceitação de divórcios, aborto, etc.), para que o Vaticano dure mais uns milénios. Hipócritas e sem princípios rígidos, como qualquer bom político, como sempre! O Vaticano sabe que a alternativa seria a radicalização, o que criaria mais anti-corpos à Igreja, assim, é neste equilíbio de espinha retórica que os padrecos e os cardeais fazem Política.

    ResponderEliminar