FERVE e Precários Inflexíveis, uma antro de putos politiqueiros


Uma análise filosófica ao sindicalismo e ao capitalismo contemporâneos

A escravatura não é só trabalhar e ganhar mal,
é essencialmente trabalhar naquilo que se detesta,
só porque se têm contas para pagar
Se há pessoa que mais assertivamente é contra a precariedade e ilegalidade preconizada pelos falsos recibos verdes, sou eu. Tenho ajudado gratuitamente várias pessoas a endereçarem queixas à Autoridade para as Condições do Trabalho, contra as suas situações laborais precárias e ilegais. Indiferente a querelas político-partidárias tenho ajudado-as a resolver os seus problemas laborais, e muitas das referias pessoas, após queixa oficial à ACT, melhoram bastante a sua situação laboral. Se há facto que sempre me indignou, foi esta escravatura preconizada pelo sistema neoliberal, que trata o ser humano como peça da maquinaria cujo objetivo primordial é produzir lucro. O capitalismo e o neoliberalismo desumanizaram completamente a condição humana, e para estes sistemas políticos, o ser humano é somente uma peça, descartável e dispensável, e que pode ser explorado a bel-prazer.

Nas sociedades capitalistas, o objetivo primário de qualquer cidadão é angariar capital, e de qualquer empresa é ter lucro, enfim obter o tão aclamado dinheiro. É comum, por exemplo, os cidadãos destas sociedades considerarem que o que é barato ou gratuito não presta ou não tem valor e o que é caro é bom, tal é a força pulsante que o capital incute no subconsciente coletivo, normalmente através da publicidade. Vemos que este paradigma é completamente falso, por exemplo na área alimentar: a comida mais saudável, frutas e legumes, normalmente é a mais barata. Para o capitalista o ser humano é um escravo, uma parte dispensável da maquinaria cujo objetivo primário é o lucro. Nesta senda por dinheiro, entra a precariedade inaceitável, onde o trabalhador sob a capa de um profissional liberal labora sem quaisquer direitos ou garantias preconizadas pelo Código do Trabalho.

Existem dicotomias gritantes no presente mercado de trabalho em Portugal. Por um lado, temos um sector público e de empresas públicas que muito pouco produz, que só consome recursos, que é pago a peso de oiro e que passa o tempo em protestos e em greves. No outro lado da balança, temos precariedade laboral extrema que tange quase a escravatura, que assola essencialmente os jovens e que se enquadra em parte no chamado Falso Recibo Verde (nada tenho contra o autêntico). O problema português, é essencialmente, um problema de equidade laboral. Um funcionário do estado, que não pode ser substituído, com o nono ano, recebe por vezes o dobro de um funcionário licenciado do sector privado, sem quaisquer garantias e que esteja a falsos recibos verdes.

E nesta luta que andava a fazer contra os Falsos Recibos Verdes deparei-me com dois movimentos teoricamente cívicos de nome FERVE e Precários Inflexíveis. No início, julgava-os com objetivos nobres cujo móbil principal seria defender os precários, mas numa visita mais minuciosa aos seus sítios de Internet, apercebemo-nos que o cunho partidário está muito bem vincado: apelam a manifestações da CGTP, falam constantemente mal da troica, colocam constantemente artigos jocosos contra o governo e lá de vez em quando referem precariedade. O que estes movimentos querem é fazer politiquice de índole partidária, leia-se BE e PCP. Não os preocupa muito os jovens precários.

O que eu penso: a precariedade combate-se com uma economia forte e com penas severas contra as empresas infratoras. Não é possível num Estado que consome no total cerca de 70€ a quem ganhe 100€ haver uma economia forte, onde possa haver ordenados altos. A esquerda demagoga e hipócrita incorre sistematicamente no mesmo erro teórico, e foi a esquerda (sim, ouviu bem) foi a esquerda a corresponsável pela situação económica deplorável em que nos encontramos, quando sistematicamente incentivava o Estado a gastar mais dinheiro, sempre através de endividamento externo. A um sindicalista do sector público, pouco lhe interessa as contas públicas, aos biltres de nome Arturs Picanços, Mários Nogueiras, Arménios Carlos e derivados do mesmo coio, muito pouco interessa as contas públicas do país. Não há nenhuma, oiçam bem nenhuma, medida apontada por estes senhores no sentido de redução de despesa pública, num país que se encontra falido. Só com uma economia forte e produtiva é que o país consegue ter jovens com boas condições laborais, todavia o presente mercado de trabalho está assente em dicotomias gritantemente injustas. Por um lado, uma velharia paga a peso de oiro que passa o tempo no café a queixar-se das condições, do outro lado, jovens licenciados que até trabalham de borla em pseudo-estágios e com precariedade extrema com os falsos recibos verdes, numa violação gritante do art.º 12.º do Código do Trabalho.

Mas a estes movimentos só a vida política os interessa: falar mal do governo, falar mal da troica (aqueles cujo dinheiro serve para pagar pensões e salários e sem o qual entrávamos em insolvência) mas nunca ousaram atacar verdadeiramente a má despesa pública, os ordenados faraónicos dos maquinistas do Metro e da CP, dos condutores da Carris, de certos pensionistas, etc. A expressão evocada por muitos neoburgueses de esquerda é referir: "eu não quero que os outros ganhem mal, eu quero é ganhar bem". O que sucede é que o bolo é finito, e quando é criado, há que distribuí-lo equitativamente, e presentemente o Estado consome demasiados recursos. E dir-me-ão: mas os portugueses vivem mal. Pois, mas Portugal é o terceiro país com mais carros por habitante, é dos países no mundo com mais telemóveis por cidadão e com mais plasmas.

Qual a reivindicação principal do sindicalista (qualquer um)? A resposta é simples: capital. A questão é que os ideais capitalistas estão tão impregnados na vida contemporânea (infelizmente) que nem os próprios sindicalistas se apercebem que corroboram com os ideais capitalistas quando a única coisa que sabem fazer é reivindicar capital. Os funcionários públicos estão contra os cortes (financeiros leia-se) da troica, os professores estão contra a avaliação (que não permite progressão na carreira que equivale a mais dinheiro), os polícias querem subsídios de risco (mais dinheiro), os médicos que teoricamente querem só defender o SNS só vieram à rua porque houve cortes nas suas horas extraordinárias (menos dinheiro), os funcionários do lixo da Câmara de Lisboa fizeram greve, pois reclamam subsídios de turno e pagamento de horas extraordinárias (mais dinheiro, mais capital), os maquinistas da CP fazem greve porque lhes cortaram nas horas extraordinárias (menos dinheiro), os funcionários da RTP protestam porque após a privatização da empresa pública de televisão é plausível que percam regalias salariais (menos dinheiro) etc., etc., etc.. Querem mais exemplos? Há alguma reivindicação de qualquer sindicato onde não estejam envolvidas questões relacionadas com capital? Para quê? Para sustentarem carros e comprarem plasmas e telemóveis importados! O Estado consome recursos às empresas e às famílias com o saque nos impostos para pagar aos funcionários públicos pagos a peso de oiro que gastam os seus recursos em bens essencialmente importados.

Digo-vos o que penso: acabemos com as desigualdades. Taxemos as grandes fortunas, as movimentações financeiras de casino que não geram valor, taxemos as transações financeiras, mas acabemos também as regalias dadas a certos sectores públicos, empresas públicas, que apenas consomem recursos. Um funcionário público (servidor público no Brasil) é alguém que foi contratado para servir o bem comum, para servir os interesses públicos, ou seja de todos os cidadãos. Não deve ser alguém que dá graças a Deus por ter o trabalhinho. No meu entender o funcionário público devia ganhar pouco, o suficiente para viver consoante o agregado familiar e a sua habitação, pois só assim, eliminando-se o fator do capital, é que se filtram os verdadeiros servidores públicos, aqueles que querem e estão dispostos a servir os interesses público e comum. E quando falo de funcionário público, refiro-me a todos, desde o cantoneiro do lixo ao deputado. Quantas pessoas trabalham voluntariamente em tantas associações cívicas? Não prestam essas pessoas serviço público? E porque têm essas associações tanta gente que trabalha gratuitamente? Resposta simples: porque estão motivados e porque gostam do que fazem; aquilo que o funcionário público comum detesta. Um funcionário público (por norma) é um escravo do trabalho, detesta aquilo que faz e fá-lo apenas para pagar as contas. Tem muito pouco sentido de Estado e de serviço e dever públicos; se o tivesse não havia tantas greves nos transportes ou na recolha do lixo, prejudicando seriamente os interesses públicos.

E o que fazem estes movimentozinhos? São putos da politiqueira, com uma mão dizem defender os precários e com a outra colocam nos seus blogues apelos a manifestações da CGTP, ataques àqueles que nos emprestaram dinheiro, e artigos jocosos contra o governo em geral e o ministro das Finanças em particular. Constata-se que estes movimentos, infelizmente, têm uma forte conotação ligada aos sectores parlamentares da esquerda. É triste apercebermo-nos que em Portugal, não existe verdadeiramente sindicalismo independente, aliás é triste que em Portugal os movimentos cívicos sejam muito poucos, e quando existem têm normalmente uma vertente político-partidária. Poucos se prestam verdadeiramente a servir o interesse comum de forma desinteressada.

Findemos a escravatura laboral, acabemos com o capitalismo

Só há uma forma de acabar com o capitalismo (sim, eu quero acabar com o capitalismo) e esse caminho passa por acabar com a escravatura laboral. E a escravatura laboral não é só trabalhar e não receber nada, pois há muita gente em associações cívicas que o faz e não se sente escravo; a escravatura laboral é sim muito mais grave naqueles que fazem aquilo que detestam, que se sentem desmotivados e só o fazem porque têm contas para pagar, que podiam ser perfeitamente prescindíveis. A liberdade é o caminho último do ser humano a par com a felicidade. Quando alguém detesta aquilo que faz e apenas o faz para sustentar as despesas, estamos perante um escravo. É muito fácil detetar um escravo, basta perguntar-lhe: - "E se tu ganhasses o Euromilhões?" - "Se eu ganhasse o Euromilhões, saía desta empresa no mesmo dia e nunca mais cá punha os pés". O escravo passa a semana a pensar na sexta-feira, passa o ano a pensar nas férias e passa a vida a pensar na reforma. É triste a quantidade de escravos que Portugal tem, e vê-se claramente pelo número de reformas antecipadas. O escravo detesta trabalhar, porque detesta aquilo que faz, está completamente desmotivado; já aquele que participa em associações cívicas gratuitamente, não se considera escravo pois ama o que faz, sente-o como um contributo útil para a sociedade.

É interessante apercebermo-nos que vários estudos demonstram claramente que o dinheiro não é um fator motivacional para trabalhos que exijam criatividade, inovação ou criações intelectuais; para estes o grande fator motivacional é o próprio resultado dos seus trabalhos. O dinheiro é apenas fator motivacional, apontam os estudos, para os trabalhos repetitivos e monótonos, como por exemplo os operadores de caixa dos supermercados. Para uma operadora de caixa do Continente, uma escrava, cuja única função é dizer boa tarde e passar artigos por um leitor ótico de código de barras, o trabalho é apenas a forma de pagar o carro, as idas ao cinema, a renda da casa e as saídas à noite. Ela trabalha como escrava, ela sacrifica-se oito horas por dia, para poder gozar as outras oito, normalmente a comprar (com dinheiro ganho com horas de trabalho) futilidades que viu em publicidade. O funcionário das finanças por norma é outro escravo: detesta aquilo que faz, as segundas-feiras são um martírio, trata mal as pessoas e não tem culpa pois já se sente desmotivado há vários anos. Passa a vida a pensar na reforma e trabalha apenas para pagar a casa e o carro, é um frustrado infeliz.

O maior problema das sociedades capitalistas é o atentado patente aos três princípios mais basilares da revolução francesa: a fraternidade, a liberdade e a igualdade. Numa sociedade capitalista, se um profissional for bom naquilo que faz, se for competente, se se libertar da escravatura, se adorar trabalhar, se se sentir motivado, e acima de tudo, se tiver muita ambição (aquela ambição de raposa velha, que passa por cima do próximo se for preciso) então a sociedade capitalista retribuir-lhe-á com muito dinheiro e muitas posses. Nas sociedades capitalistas, com fundação ideológica nos EUA, a competência, a inteligência, o dinamismo, o trabalho e a ardileza são retribuídos com muitos, mesmo muitos louros. Dir-me-ão que está bem, pois eu digo que está mal pois como já foi referido a maior motivação para um trabalho criativo e intelectual é o próprio resultado do trabalho, sendo que o dinheiro é prescindível. Assim, este prémio dado pelas sociedades capitalistas aos "melhores" vai contra os mais básicos princípios de fraternidade, pois a riqueza não é distribuída por aqueles que precisam de viver como escravos para pagar as contas.

Então, só há uma forma de findarmos com o capitalismo, é exigirmos aos sindicalistas que parem de reivindicar aumentos de capital para os trabalhadores, pois revindicar capital é dar valor a algo que deve ser minorado numa sociedade anticapitalista. Numa sociedade anticapitalista, o que move o indivíduo a trabalhar, é o prazer pelo trabalho, é a motivação pelo trabalho, numa sociedade anticapitalista o que move o funcionário público é o prazer e a dedicação ao serviço público, ao serviço pela causa pública, pela coisa pública. Numa sociedade anticapitalista, o melhor retorno que um criador ou um empreendedor pode ter não é dinheiro, pelo contrário, é ver a sua criação triunfar pelo mundo, ajudando pessoas, melhorando a qualidade de vida dos seres humanos. Numa sociedade anticapitalista não há escravos, pois para os trabalhos repetitivos existem as máquinas, e para aqueles que as máquinas não fazem existirão sempre voluntários que se sentirão motivados a trabalhar em prol da comunidade. Numa sociedade anticapitalista não há greves, muito menos no sector público e muito menos reivindicando capital, o maior cancro para uma sociedade anticapitalista.

O capitalismo joga com sentimentos muito primários e o primeiro deles é a posse. Todavia nos países do sul, onde o sangue é mais quente, é muito difícil incutir o sentido de respeito pela coisa pública, pois o primarismo está à flor da pele. Só nas sociedades com cidadãos mais racionais e desprovidos de instintos exteriorizáveis, é que as sociedades anticapitalistas funcionam. Para se impor uma sociedade socialista em países do sul, só através do despotismo e da ditadura.

E estes movimentos que teoricamente defendem os precários, estão muito mais preocupados com a remuneração do trabalhador assente numa ideologia capitalista, do que propriamente findar com o capitalismo ou com a verdadeira escravatura laboral.

PS: Uma primeira medida para findar a escravatura laboral: só é possível trabalhar na mesma empresa ou no mesmo cargo no máximo dez anos.

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