Um dos argumentos falaciosos, muito usado pelas pessoas, para não abdicarem do carro no seu quotidiano, é que o carro os leva de forma mais rápida de casa ao trabalho e do trabalho a casa. Falei recentemente com um amigo que mora no Seixal, e que trabalha na zona de Carnaxide. De carro, sem qualquer trânsito demora cerca de 30 minutos, todavia com o trânsito que é comum nas horas de ponta, demora cerca de uma hora. Como este meu amigo dizia que gastava cerca de 200€ todos os meses só com portagens e combustíveis, passou a ir de transportes públicos, e demora cerca de hora e meia. Tempo é dinheiro, é verdade, mas a questão que temos que colocar é se o tempo que poupamos com o carro, merece o dinheiro que gastamos a mais por optar pelo carro. Tudo depende de quanto ganharmos à hora, mas constata-se claramente que na generalidade da população portuguesa NÃO compensa trazer carro, dados os salários miseráveis que recebem e considerando os custos elevados que o carro acarreta.
Velocidade Real
É considerando este paradigma que se compara a Velocidade Real com a denominada Velocidade Virtual. É indubitável que um carro é mais rápido que uma bicicleta, se considerarmos a velocidade física, ou a chamada velocidade real, mas esta é claramente redutora para termos uma noção mais abrangente no quadro da mobilidade urbana. A velocidade virtual é muito mais interessante de calcular. Ora então exemplifiquemos: se o Carlos mora em Oeiras e trabalha no centro de Lisboa, e vai e vem de carro todos os dias, anda cerca de 20km para cada lado. Se demorar cerca de 30 minutos para cada lado, a sua velocidade real média é 20km/0,5h=40km/h.
Todavia a Velocidade Virtual é muito mais interessante de apurar no quadro da mobilidade urbana, pois consideram-se os custos financeiros e temporais das deslocações. O que interessa apurar então para começar é saber qual o salário do Carlos. Considerando que ganha 1000€/mês limpos, e considerando 8 horas por dia e 22 dias úteis por mês, o Carlos ganhará cerca de 5€/hora. Ora considerando ainda que o seu carro tem um consumo médio de 8 litros aos 100 km, e que entre sua casa e o trabalho distam 20km, o Carlos percorrerá todos os dias 40km, gastando 3,2 litros de gasolina. Ora, se o preço da gasolina é cerca de 1,6€/litro, o Carlos gasta todos os dias em combustíveis cerca de 5€ (40km*8ltr/100km*1,6€/ltr). Considerando as portagens de Oeiras na A5 que são 0,30€ para cada lado, considerando que as revisões em oficinas custam cerca de 300€ a cada 20.000 km, o que dá no caso do Carlos 0,60€/dia, considerando pneus novos de 300€ a cada 60.000km, considerando o parquaemanto no centro de Lisboa que custa 5€/dia, o Carlos gasta para se deslocar de carro por dia entre casa e o trabalho, no percurso de ida e volta, cerca de 11€. Se o Carlos ganha 5€/hora precisará todos os dias de trabalhar aproximadamente duas horas e um quarto (~11€/5€/h), só para sustentar o carro - considerámos as despesas do carro que são dependentes dos quilómetros efetuados e não as despesas fixas como seguro, crédito automóvel, IUC ou inspeção. Ora a velocidade virtual do Carlos é na realidade em média os 40km que faz todos os dias, a dividir pelo tempo do percurso que são 30 minutos para cada lado, mais as duas horas e um quarto que precisa de trabalhar só para sustentar o carro, i.e. trabalho estritamente alocado só para pagar o facto de se deslocar de carro, e que não pode ser aproveitado para outros fins, o que dá então 40km/(0,5h+0,5h+2,25h)=12,3km/h. Ou seja, a velocidade virtual do Carlos é cerca de 12km/h, só 30% da sua velocidade real.
E a generalidade da população portuguesa?
O Carlos foi apenas um exemplo, para que consigamos diferenciar corretamente a velocidade virtual da velocidade real. Interessa agora apurar, não o caso concreto do Carlos, mas o caso da generalidade da população em Portugal em meios urbanos. Para tal, porque falamos sempre em aproximações, usaremos as médias estatísticas que são conhecidas do público.
Portugal tem cerca de 580 carros por mil habitantes. Se descontarmos as pessoas mais idosas que por diversas razões não podem conduzir, se descontarmos as crianças e os jovens com menos de 18 anos que ainda não têm carta de condução e se descontarmos os inválidos para conduzir por motivos vários, pode-se dizer que a grande maioria da população ativa em Portugal tem carro. Basta vermos os nossos amigos e família, muito poucos são aqueles que conhecemos que não têm carro. Interessa então agora neste paradigma calcular a velocidade virtual entre o automobilista comum em Portugal em meios urbanos, entre a casa e o trabalho, e o ciclista comum, ou seja aquele que se desloca somente de bicicleta - não comparamos com os transportes públicos para atestarmos o quão ridículo é o paradigma económico da mobilidade das nossas cidades, na comparação entre automobilista e ciclista urbano. Usaremos então das médias estatísticas conhecidas para Portugal.
A média de tempo de deslocação para os portugueses entre casa e o trabalho é de 30 minutos para cada lado. Consideremos um valor razoável e aproximado, de cerca de 20km de deslocação média para cada lado da população motorizada que usa o automóvel. O carro mais vendido em Portugal é o Renault Clio que tem um consumo médio em cidade de 11,5km/l (é dos mais poupadinhos). Considerando os 40km diários a população gasta em média 3,5 litros por dia em gasolina (40km/11,5l/km). Se o preço da gasolina ronda os 1,6€/litro, falamos de 5,6€ só em combustíveis. Se adicionarmos as contas já acima feitas para um deslocamento de 40km diários, de 0,60€/dia para revisões e de 0,20€/dia para pneus, fica-se com 6,4€/dia. O estacionamento mais barato da EMEL que é a zona verde, as zonas de Lisboa mais afastadas do centro, tem um preço de 3,2€ por quatro horas, o que dá num dia de trabalho cerca de 7€. Tudo somado pode-se expectar que um português comum que viva numa grande cidade, pague cerca de 13,5€/dia só para poder levar o carro para o trabalho.
Vamos aos rendimentos: o salário médio líquido dos portugueses é cerca de 720 euros. Com 22 dias úteis por mês e oito horas por dia, temos um rendimento médio líquido de 4€/hora. Então o comum dos mortais em Portugal precisa de trabalhar por dia só para pagar a deslocação de carro cerca de 13,5€/4€/h=3,375h, ou seja aproximadamente 3 horas e 20 minutos (quase metade do dia; se entrar no trabalho às 9 horas, só às 12:20 é que se livrou do carro, e só doravante é que começa a ganhar dinheiro para outros fins). Pelo exposto a sua velocidade virtual é 40km/(0,5h+0,5h+3,375h)=9,14km/h o que dá cerca de 9km/h. Considerando que um ciclista urbano circula aproximadamente nunca a menos de 20km/h (o meu caso particular e de muitos outros) e que os custos correntes por dia da bicicleta, são praticamente nulos, constata-se muito facilmente que em meios urbanos a bicicleta é cerca de duas vezes mais rápida (considerações temporais e financeiras) que o carro.
Ainda acha que o carro na cidade é mais rápido que a bicicleta?
Aqui é falado do carro, mas não falado da bicicleta, já fizeste os mesmos custos para a bicicleta ?
ResponderEliminarTambém existe a questão de não se poder atravessar a Ponte 25 de Abril de Bicicleta! teria de se apanhar o comboio ou outro transporte publico! Isto também entraria para as contas!
EliminarMeu caro.
EliminarQuais os custos da bicicleta por km??? Por dia?
Repara que não contei no carro os custos fixos (IUC, seguro, inspeção, prestação do crédito), só os custos por km, pressupondo assim que teríamos sempre de ter o carro na garagem para outros fins.
Na bicicleta, quis são so custos por km? Uns pneus que custam 10€ de seis em seis meses? Uma revisão que custa 20€ por ano. Bem, posso fazer as contas dá 40€/ano que dá (22 dias úteis por mês) 15 cêntimos por dia.
Cumprimentos
Em relação à ponte 25 de abril, sim entrariam nas contas o tempo que se espera pelo barco e o tempo da viagem propriamente dita. Tenho um amigo que mora no Monitjo e trabalha em Lx e vem e vai todos os dias de bina no barco.
EliminarEle diz que é fácil e prático.
Lembra-te que no caso do barco, terias de adicionar o custo do passe, mas lembra-te também que a velocidade do barco é bastante grande e sem obstáculos, o que aumenta a média.
Cumprimentos
Estou plenamente de acordo com estas contas. Já agora acrescentaria outra grande vantagem: PARA A SAÚDE. Nem é necessário estar aqui a enumerar o que toda a gente conhece mas que não tem vontade de mudar.
ResponderEliminarE o suor, a chuva, o estado em que chega a roupa? Nem todos podem trabalhar de chinelos.
ResponderEliminarRepare meu caro que o suor e a roupa é um mito urbano.
EliminarAssim como a andar a pé, há também na bicicleta uma determinada velocidade moderada, que se não for ultrapassada, nunca se sua. Em muitos países da Europa é comum ver executivos a andar de bicicleta.
A chuva é outro mito urbano que há que desmentir. Portugal, tem um ótimo clima. Explique-me por que é que nos países da Europa Central, com níveis de precipitação muito superiores, usa-se frequentemente a bicicleta?
http://www.printfree.cn/03/free-printable-maps-map-climate-zones-europe-printables.html
Cumprimentos
Há uma coisa importante: com o tempo extra que se ganha com o carro pode-se também ganhar dinheiro, passar tempo com a família, ter mais tempo para hobbies... Isso também conta. Esta é uma análise MUITO parcial. Embora tenha alguma razão
ResponderEliminarNão concordo caro José. Como digo tempo é dinheiro, tal é indubitável, mas interessa saber quanto é que o meu caro ganha à hora, precisa de saber quanto vale o seu tempo.
EliminarSe ganhar cerca de 20€/h, e não conseguir fazer render o tempo em transportes, talvez o carro seja útil para poupar tempo nas deslocações, que pode aproveitar para ganhar dinheiro com a sua atividade. Mas pense também que se pode aproveitar o tempo de deslocação (por exemplo no comboio ou no barco) para trabalhar, com dispositivos portáteis por exemplo, e ganhar dinheiro.
Mas se pensar que a média da população portuguesa ganha 4€/h líquidos, e dados os custos médios do carro, percebe-se claramente que o carro é um sorvedouro de dinheiro para as pessoas, e estas terão de alocar TEMPO dos seus horários de trabalho para pagar o carro.
Assim, isto torna-se numa análise totalmente IMPARCIAL, fria e racional.
Cumprimentos
Pois é caro Joao, o que diz até tem lógica, mas como fazemos para atravessar as pontes, pois em muitas delas não se pode andar de bicicleta. Não me proponha a travessia de barco porque eu tenho fobia a esse meio de transporte. Bem haja.
ResponderEliminarBem meu caro.
EliminarNão me leve a mal, mas se tem fobia, tente sanar a fobia do barco. Por exemplo a TAP tem psicólogos que ajudam a sanar a fobia da aviação, por certo há algo semelhante para o barco.
Senão, pode usar por exemplo o comboio da ponte 25 de abril, onde pode transportar a bicicleta gratuitamente.
Cumprimentos
Vou todos os dias para o trabalho de bicicleta e não podia estar mais feliz! O percurso que dantes fazia a pé e demorava 20 e tal minutos (e muitas vezes chegava a transpirar...), faço-o agora em 5/7 minutos, com um sorriso nos lábios e cumprimentando a vizinhança.
ResponderEliminarAlém disso, passei a fazer caminhos mais longos no regresso a casa, descobrindo mais uma esplanada ao final de tarde, indo à livraria e mercearia de outros bairros. E não, não chego a casa transpirar. E sou mais feliz.
Bem-vinda ao clube dos que trazem um sorriso nos lábios :)
EliminarAcredita que a minha produtividade no trabalho aumentou desde que trago a bicicleta?
Cumprimentos