Porque sou favorável ao Acordo Ortográfico de 1990

Opina hoje no Diário de Notícias, matutino que leio com alguma regularidade, o padre e professor universitário Anselmo Borges, onde refere que o Acordo Ortográfico (AO) é inútil e prejudicial. Considero no entanto, que o dito acordo é salutar para a harmonização da lusofonia, para tornar a língua portuguesa mais coerente a nível internacional e para que haja (mais importante ainda no meu entender) uma harmonização da língua portuguesa no espaço cibernético, que está em crescendo, essencialmente entre o atual português brasileiro e o português europeu. Nesse sentido considero o AO fundamental e essencial para a alavancagem da língua portuguesa a nível internacional. De referir que considero que o Prof. e Padre Anselmo Borges, é dos comentadores que mais aprecio ler no DN, um homem com o raciocínio límpido, que me oferenda diversos significados etimológicos dos grandes verbetes da língua e que me transmite os valores dos grandes pensadores da história universal. Todavia, discordo com o conteúdo do seu comentário de hoje ao referir que o AO é inútil e prejudicial.

Já demonstrei porque é que o AO é muito útil: uniformiza a sétima língua mais falada no mundo. Nem o Espanhol, nem o Francês, nem o Italiano, nem o Árabe, nem as outras grandes línguas têm diferenças ortográficas como tínhamos até então na língua portuguesa antes do AO. O caso muito evocado pelos contestatários, do Inglês americano e do Inglês europeu é diferente, pois as diferenças entre estas grafias, são menores (palavras como labor e labour, entre outras) e no caso da língua Inglesa, não existe uma autoridade que define como se devem grafar as palavras, como as Academia de Letras, sendo as autoridades do mundo anglo-saxónica muito mais liberais.

Segundo opina também o padre Anselmo Borges, o acordo é prejudicial pois instiga os falantes a escreverem as palavras de forma incorreta. Creio que mais uma vez, tal é completamente falso. O que faz um falante escrever corretamente é a leitura assídua de jornais e livros com uma grafia coerente e simples; e antes do AO, se não nos tivessem ensinado que na palavra 'actual' havia um 'c' antes da consoante 't', nunca o saberíamos ao ouvir a palavra. Todas as alterações do AO vão no sentido da simplificação, sendo que os contestatários evocam normalmente uma ortodoxia medieval da grafia da língua. De referir ainda que as grandes diferenças ortográficas que existiam antes do AO, deviam-se à reforma ortográfica unilateral que Portugal fez em 1911, após a república.

Deixo-vos aqui alguns dados interessantes:
  • quem está contra o AO diz que nos afastaremos das outras línguas latinas; mas tal é um mito urbano; contraexemplos: francês objet e castelhano objeto, escrito já sem ‘c’ e antes do AO em PT escrevia-se com ‘c’ | francês projet e castelhano proyecto | italiano oggetto e progetto, escrito já sem ‘c’ e antes do AO em PT escrevia-se com ‘c’ | português vitória, que antes do AO já se escrevia sem 'c', e francês victoire, castelhano victoria, e italiano vittoria 
  • um outro falso mito urbano é dizer que o ‘c’ e o ‘p’ antes da consoante abria as vogais como em “acto”; contraexemplos: vogal aberta: corar, padeiro, oblação, pregar; abrimos a vogal e não existe nenhum ‘c’ nem nenhum ‘p’ | actual, actualidade, exactidão, tactear; antes do AO, colocávamos o ‘c’ e nunca abríamos a vogal 
  • outro falso mito urbano é dizer que no AO vão haver incongruências entre palavras da mesma família como Egito e Egípcio, Apocalipse e Apocalítico; contraexemplos: antes do AO já se escrevia: assunção e assumptivo, cativo e captor e captura, dicionário e dicção, noturno e noctívago
O AO não é incongruente e está muito bem estruturado. Existem naturalmente algumas duplas grafias, para que se mantenha coerente com as pronúncias mais vincadas entre os diversos falantes da língua portuguesa, no entanto a partir do AO só existe UMA ortografia para todos os países lusófonos; ou seja escrever 'facto' ou 'fato' está correto no Brasil ou em Portugal.

Normalmente quem está contra o AO, não querendo obviamente macular ninguém, considera que o AO vai-nos por todos em Portugal a falar e a escrever como os Brasileiros, esses povos inferiores das novelas e do samba. Todas as alterações do AO vão no sentido de uma harmonização da língua no espaço lusófono e vão todas no sentido da simplificação.

De referir ainda que as diferenças introduzidas em Portugal são apenas 1,6% do vocabulário. Mas meus caros, a grande ameaça da língua portuguesa não vem do Brasil, vem apenas sim do mundo anglo-saxónico. Qual a percentagem de música em Inglês, que passa nas grandes rádios em Portugal? Qual a língua da música que se ouve, nos grandes clubes e nas discotecas das cidades do país? Qual a nacionalidade e a língua da maior parte dos filmes que se veem na televisão e no cinema? E todos aqueles engravatados que em Lisboa e no Porto, trabalham nas grandes empresas do sector financeiro e de consultadoria, que adoram propalar anglicismos, cuja grafia e fonética são completamente incompatíveis com a grafia lusa. Por certo que já todos ouviram alguém a vos pedir feedback. Eu prefiro a palavra 'retorno', pois por norma não gosto de "alimentar por trás" ninguém.

Concluo apenas, referindo que o AO vai tornar a nossa língua mais robusta contra estes ataques exógenos, pois seremos todos os falantes da língua portuguesa, a defender um património cultural comum e uma língua com uma grafia comum. Por todos estes factos, eu só posso estar favorável ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa em dezembro de 1990.

2 comentários:

  1. No essencial concordo com o AO e discordo dos argumentos de quem discorda dele. Entre os que discordam haverá alguns que nem saberão bem do que falam, entre eles um certo juiz...Mas não é o seu caso, e por isso me atrevo a propor-lhe a revisão de formas que me saltaram à vista:
    1 - «discordo com o conteúdo do [...] comentário»;
    2 - «vão haver incongruências»;
    3 - «já todos ouviram alguém a vos pedir»;
    4 - «o AO vai-nos por todos a falar e a escrever».

    Cordialmente
    Carlos Almeida

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    1. Muito obrigado pelo comentário e pelos reparos. No verbo haver, teimo em que haja congruência entre o número da conjugação verbal e do predicado.
      Cordialmente

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