Algumas questões filosóficas surgiram-me na mente após me recordar que estou em dívida com a ZON, a propósito de um contracto de fidelização que eu não cumpri. Eu, homem casado com a mulher que amo, pela lei não estou obrigado a ser-lhe fiel, ou melhor até posso estar, mas por certo que o adultério não é crime; mas à ZON devo fidelidade, senão incorro num crime.
Parece complicado? Não é! É simples. Se eu não for fiel à ZON num contracto de fidelização que assinei com esta entidade, mesmo tendo cumprido todos os requisitos correntes do contracto, pois paguei escrupulosamente todas as mensalidades como eles requisitavam; mesmo depois de ter entregado na loja todo o equipamento deles que tinha em casa, qual cônjuge ferido na alma que entrega os CD e os livros do antigo parceiro que ainda permanecem no seu lar; mesmo depois de ter escrupulosamente cumprido todos os preceitos contratuais que até então estavam vigentes, dizem-me que não posso anular o meu contracto com a ZON, porque assinei um contracto de fidelização.
A lei não nos obriga que sejamos fiéis aos maridos e às mulheres, mas devemos ser fiéis à ZON, à MEO, à TMN, à Vodafone, à Optimus e tantos outros parceiros contratuais de fornecimento de serviços. Dizem-me da ZON que fizeram um investimento na instalação do equipamento em minha casa, com o tempo dispendido com o técnico para fazer a instalação do mesmo; mesmo eu sabendo que o técnico instalou tudo cá em casa em menos de meia hora. Por essa meia hora, como eu findei unilateralmente o contracto de fidelização com a ZON, devo a esta entidade mais de 200€, senão incorro num crime. Já no caso do matrimónio, o investimento feito por qualquer uma das partes chega a ser a própria alma, mas este, à luz da lei, pode perfeitamente ser dissolvido unilateralmente, bastando para tal um mero acto num registo civil.
À mulher que eu amo, e que me ama, e cujas vidas investimos amplamente no matrimónio, plasmado no contracto de união conjugal, a lei não impõe qualquer género de fidelização temporal, nem pune consequentemente o adultério; mas à ZON, fiquei obrigado contratualmente a ser-lhe fiel, e se não o for, ou seja, se não pagar as prestações que faltam de um serviço que nunca usufruí, a lei punir-me-á com as devidas sanções.
É nestas coisas tão simples que atestamos a decadência da sociedade contemporânea: capitalista, desumana, relativista, neo-liberal e com muitos ditames de uma certa esquerda demagoga e burguesa. Este antropomorfismo dado às grandes empresas na actualidade, em que lhe devemos fidelidade, em que nos apresentam os seus valores (como se as entidades não humanas tivessem valores); em que lhe associamos sempre uma face feminina sorridente ou um belo macho engravatado; representa a verdadeira decadância do capitalismo.
Continuarei fiel à minha mulher, e não pagarei nem mais um cêntimo à ZON!
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