A disseminação do vulgar e do banal


Devo confessar que raramente ouço música vulgar, música supostamente moderna, mas que porventura é mais decrépita que a mais antiga sepultura, raramente a oiço, mas não posso deixar de referir a banalização de uma música tão vulgar e banal que a letra ofende o mais comum dos ouvintes que tem uma pequena réstia de inteligência para aferir um pouco sobre a interioridade e profundidade intelectual de uma letra de uma qualquer sonoridade à qual temos o prazer de ouvir constantemente no espaço radiofónico português. A letra da música a que me refiro não sei ao certo como a definir. Poderia ser vociferada por qualquer um dos inteligentes primatas que habita num qualquer zoo de uma capital europeia. Se a letra fosse cantada em Português, por certo não faltariam as críticas profícuas de uns quaisquer intelectuais eruditos, que a considerariam de uma elementaridade atroz e vulgar; mas como esta música é cantada na língua de sua majestade e como é originária do novo mundo do norte, esta mesma sonoridade é fugazmente e atrozmente difundida por todo o espaço radiofónico europeu, sendo considerada um hino da qualidade musical e intelectual. Refiro-me meus caros à magnífica, estonteante, exuberante e cheia de profundidade intelectual música da afamada Katy Perry. Pois aqui vos transmito meus caros um pequeno excerto desta sonoridade letrada para que vós possais absorver esta sublime erudição cheia de profundidade intelectual e emocional. Refiro-me obviamente ao afamado e tão difundido refrão que certamente já foi disseminado mais de um milhão de vezes por todo o mundo em todas as rádios.

Cause you're hot then you're cold

You're yes then you're no

You're in then you're out

You're up then you're down

You're wrong when it's right

It's black and it's white


Por certo que o caro leitor é erudito o suficiente para poder compreender a letra acima referida, mas mesmo assim, ouso traduzi-la para a língua pessoana para podermos constatar o quão banal e vulgar é o refrão supra citado.


Porque tu és quente e és frio

És sim e és não

És dentro e és fora

És cima e és baixo

És certo e errado

És preto e és branco


Só de soletrar estas letras atingi um orgasmo intelectual, são de uma erudição e intelectualidade inimagináveis e inigualáveis. Obviamente que o seu autor se encontrava fortemente inspirado para conseguir tecer e conceber tais façanhas verbais. Mas o que é irritante é que o jovens europeus ouvem-nas e adoram-nas, atingem momentos exuberantes só de ouvirem a sua batida ofegante. E quando ouvimos um qualquer músico português cantar a aclamada música popular portuguesa, consideram-na deveras pouco moderna, chegam mesmo a apelidá-la de foleira, pois a letra é anacrónica e não se enquadra nos padrões estéticos com que se identificam. Pois meus caros, mais foleiro que Katy Perry, nem Zé Cabra com o seu “São lágrimas”. Mas não esqueçamos que com este último a juventude tinha uma atitude jocosa, já com a afamada e pérfida norte-americana os jovens têm uma atitude de idolatria e de veneração. Não veneremos tudo o que nos trazem os súbditos do tio Sam, pois nem tudo o que é cantado em Português é mau e nem tudo o que é cantado em Inglês é bom, e o caso de Katy Perry é paradigmático daquilo que acabo de referir.