Pequeno tratado sobre a Lei do Equilíbrio Universal


A Lei do equilíbrio universal rege todas as formas animadas do mundo Natural que contemplamos. Natural no sentido estrito do termo, pois refere-se ao mundo em que vivemos, que por Deus foi criado, como tal é natural; e se o Homem criatura divina, que também por Deus foi criado, tudo o que faça ou produza, ou conceba física ou intelectualmente, não pode deixar de ser natural. Sendo assim, tudo o que nos rodeia, tudo aquilo que os nossos cinco sentidos captam, enquanto seres empíricos que somos, não podem afastar-se dos espaços hiperdimensionais onde as coisas naturais se enquadram. Tudo o que se encontra fora do tal espaço faz parte do transcendental e do pseudo-imaginário, pois até a própria imaginação é criação divina natural, pois é concebida pelo Homem. O espaço pseudo-imaginário é aquele que é inconcebível e inimaginável no sentido estrito do termo. Então a Lei do Equilíbrio Universal aplica-se ao espaço restrito das coisas naturais. Que é o espaço onde o Homem vive, o espaço de todas as coisas animadas e inanimadas que os seres do mundo observam e com as quais coabitam. É o espaço que nos rodeia enquanto seres sensíveis, ou seja com sentidos. A Lei postula simplesmente que este espaço hiperdimensional observa certas regras de equilíbrio fundamentais. Postulado de forma matemática poder-se-á dizer que a função matemática do integral de todas qualidades naturais mensuráveis através do tempo e do espaço é constante. Refira-se aqui espaço hiperdimensional. Sendo assim, se por qualquer motivo natural um pequeno subconjunto deste espaço natural se alterar, o conjunto formado pelo mundo natural à excepção deste subconjunto referido, também se alterará para que a Lei se observe.

OBSERVAÇÕES PRAGMÁTICAS DA LEI
A fundamentação de qualquer tratado, teorema, ou lei matemática, necessita de fundamentação pragmática, necessita de assentar em uma estrutura fundamental sólida e não meramente racional. Como tal apresentam-se casos onde se pode facilmente constatar que a Lei referida é cumprida escrupulosamente no mundo natural através de forças ocultas e invisíveis. O escuro e o claro, o frio e o quente, o seco e o húmido, o alto e o baixo, são tudo valores que caminham sempre em parelhas. O amor e o ódio, a esperança e o derrotismo, a agonia e a alegria, o celibato e o deboche, sem uns nunca haveriam os outros. O Homem e a Mulher, o gato e a gata, o boi e a vaca, o pombo e a pomba, são os casais inseparáveis e cuja união é essencial à continuação do mundo e das espécies. E quando por qualquer motivo uma assimetria é provocada nestes valores, outros valores ou este mesmo directa ou indirectamente relacionados, alterar-se-ão para que a Lei se observe.

CASOS PRÁTICOS E REFLEXÕES DO QUOTIDIANO DO AUTOR
Caminhava eu sereno e calmo por uma rua de Kassel, cidade bela e maravilhosa, verdejante, verde, onde a imensidão do mundo natural desejável se perde na acalmia dos sentidos. O Fulda percorre-a e trespassa-a enchendo-a de beleza e fre
scura. Contemplava eu requintadas moradias, onde as plantas trepavam e cobriam as suas paredes de um verde imenso. Tudo ordenado, arranjado, onde a arte livre é elevada e os valores da humanidade são respeitados. Onde a vida é serena e se apreciam os momentos de prazer paradisíacos. Mas que Éden é este? E a Eva, onde se encontra? Caminhava eu sereno por uma rua estreita onde crianças se regozijavam com uma bola, que corriam e gritavam alegremente. Caminhei serenamente e então observei uma bela deusa com a qual fiquei petrificado. Loira, de olhos azuis, de uma beldade indescritível. Traços faciais divinais, como que aperfeiçoados ao longo de milénios, e agora num estágio final, por mágicas e racionais medidas observassem os requisitos mais exigentes das sensações primordiais e humanas. Que foi isto que senti? Andaram estes Germanos a aperfeiçoar a raça? Se o fizeram, fico perplexo com tanta qualidade científica. O resultado foi fabuloso e tocou o divino. Não me lembro de algum dia ter observado ser mais maravilhoso. Mas e a Lei? A Lei aplica-se através do espaço e do tempo. E faço aqui uma pequena reflexão temporal. Aqueles que fazem as coisas mais belas são os mesmos que produzem as mais hediondas e repugnáveis. Foram estes os Germanos que criaram os campos de concentração e enviaram para a câmara de gás milhões de seres humanos, a mesma humanidade que agora respeitam e preservam. Foi este o país que em quarenta e cinco estava em ruínas e em chamas, devastado e num caos imenso, e este mesmo belo país que visito. A Lei observa-se. E os judeus queimados e incinerados em câmaras de gás não foram também aqueles que emprestavam dinheiro a juros àqueles que se encontravam em situações de aflição aproveitando-se dos estados de carência financeira? Não foram os judeus que depois de Pilatos ter aclamado “Ei-lo”, pediram a crucificação do Messias? A Lei observa-se. E o império que agora, aquele que rege, que tem as armas, o do Oeste, o norte-americano. Não foi este que lançou a bomba atómica sobre um país devastando e arrasando milhares de vidas? Não foi neste país que a Sida surgiu, praga que arrasa milhares de vidas em todo o mundo, essencialmente crianças. Mas também é neste país que se unem diferentes raças, credos e de certa forma convivem pacificamente. Onde se proclama a liberdade e o discurso livre. A Lei observa-se. Não eram os japoneses guerreiros implacáveis, insensíveis, que não respeitavam os direitos mais elementares da vida humana, e que em nome de um imperador que nunca foi à guerra, se embatiam contra navios matando-se a si e a tantos outros seres humanos? Mas não é no Japão onde a alta tecnologia é a mais avançada, onde milhares e milhões de cidadãos vivem em metrópoles e onde o sistema civilizacional e comunitário melhor funciona? A Lei aplica-se. Não são os árabes e os muçulmanos grandes homens das artes e do saber, da poesia e das sonoridades silábicas, que reformaram os pensamentos e as ideias no médio Oriente através do legado de Maomé. Mas não são os mesmos muçulmanos que queimam bandeiras, explodem mercados e mesquitas instigando o ódio dentro da própria comunidade religiosa? A Lei observa-se. Não é a cruz cristã o maior sinal de humildade e redenção, valores elevados e qualidades desejáveis nos homens e mulheres? A cruz, falo invertido, submissa que respeita a caridade e o amor ao próximo. Mas não foi em nome da cruz e dos evangelhos que se lançaram à fogueira milhares de seres humanos apenas porque divergiam de certas formas de pensamento? E não foi em nome da cruz que se conquistaram, matando e arrasando, violando e queimando, destruindo e derrubando, milhares de povos que eram considerados infiéis apenas por terem crenças religiosas distintas? Que diria o Messias se tivesse presenciado tais acontecimentos? E as sociedades secretas conhecedoras das forças do oculto, homens doutos e do saber, das ciências e dos valores humanitários, das regras e da ordem, que proporcionaram aos seres da actualidade condições humanas de vida, que fizeram aumentar a longevidade, que postularam os direitos do Homem. Que investigaram com fins humanitários no ramo da química, da física e da medicina. Mas não foram estes mesmos que desenvolveram as armas de destruição maciça, as doenças fabricadas em laboratório, que melhoraram a eficácia na morte das armas de guerra, que investigaram no desenvolvimento de minas, tanques, róquetes e foguetões com fins militares? Não foram membros destas sociedades que foram buscar um judeu à Alemanha e o fizeram desenvolver teorias que posteriormente proporcionaram a fabricação da bomba atómica? Não foram estas sociedades que utilizaram esse mesmo saber para fins destrutivos? A Lei observa-se. Com estes casos pudemos constatar que a Lei do Equilíbrio Universal é omnipresente e observa-se no espaço natural. O Espaço das ideias, do raciocínio, do imaginário e das sensações. O Espaço do intelecto e o espaço físico, o espaço da alma, do ego, e o do exterior, do Eu, e do Teu, do deles, e do delas! O de fora e o de dentro. A Lei aplica-se quer através do tempo, tal como foi confirmado com casos práticos, mas também através do espaço hiperdimensional que nos rodeia e no qual nos incluímos.

Oásis


Doce Flor, não imaginas porventura a doce recordação que guardo dos teus beijos. Podia porventura traçar as linhas destes escritos através de versos errantes e desesperantes, através de métricas ancestrais e arcaicas, através de escritos que pausados e desordenados não obedecessem às regras linguisticas que estabelecem o conceito de prosa. Escrevo, não escrevo, aliás teclo, pois teclar é isso mesmo, é impulsionar a ponta digital dos membros superiores que te acariciaram, que tocaram no teu formoso corpo, que deslizaram pela tua sublime e formosa pele, pela candura e alvura do teu rosto, estes dedos, que absorveram as sensações tácteis mais dóceis, e são estes dedos que teclam nestas teclas inscritas de caracteres latinos. Os mesmos dedos que por ti anseiam.

A mão, deixou de me auto flagelar, deixou de ser o ímpeto para a concha encrostada num interior angustiante, a palma da minha destra e impetuosa mão passou a oferecer, passou a ceder o desejo, passou a ser a génese dos rituais afectivos e amorosos. Da dualidade de corpos que se unem num leito de afecto, alegria e harmonia. Como que um complemento salutar, como que encontrar a

paz depois da guerra. É destroçar os beligerantes, é vencer batalhas, sair arrasado, sair destroçado, ganhar o mundo, ganhar o espaço, o Universo, conquistar os corpos, mas não ganhar as almas, e das batalhas infinitas, das ancestrais e universais, sair vencido e derrotado no interior, e reencontrar o verdadeiro Amor.

E então num leito de desejo e alvura, encontro o deleite, encontro o afecto nuns doces braços de uma doce mulher, nas cândidas pétalas de uma Bela Flor, que por sentido inverso de línguas equatoriais, obtenho o Nome da adorada homónima poetisa que nasceu além do Tejo. E nuns áureos e sedosos cabelos a lembrar as auroras boreais, auroras nocturnas, auroras madrigais, aqueles arco-íris da noite, que os homens contemplam em latitudes polares, olhos da cor do céu, olhos da cor do mar azul, olhos da cor da melancolia, e nuns cabelos da cor do sol, encontro eu a alegria.

A doce Flor do Éden, a minha Eva, sendo eu Adão, somos então os primogénitos, somos os pecadores, pois a maçã grave newtoniana, que cai nos sentido axial, caímos nós então num solo de afecto e folia, ao envolvermos os braços e os corpos, ao afagarmos as mãos numa mutualidade conspícua, numa circunspecção afectiva, nuns abraços ternos, e os corpos, límpidos e cristalinos, envolveram-se em uma entidade una, única, rejeitando eu o nome de rei dos Hunos, de Átila, o guerreiro impiedoso, que pereceu às mãos de uma amante, que o amava e desejava. Mas eu, não caminhei com tropas, não percorri nem vandalizei com exércitos, eu limito-me apenas a observar áureos filamentos que me identificam na terceira letra do primeiro nome próprio.

Doce e bela Flor, recordo com carinho o dia mágico e dominical em que me desvirginei em ti. Em que nos tocámos e nos envolvemos, em que nos abraçámos e beijámos e recordo-o com afecto, com um misto de desejo e carícia, com um pouco de luxuria e candura.

Encontrei-te bela e formosa na entrada do prédio, cheguei ao patamar de uma rua imensa, antes tinha vagueado no meu cavalo negro por ruas e ruelas cheias de peripécias, caminhava então qual mero vagabundo, perdido numa vila longínqua nos subúrbios de uma metrópole decadente. Afastava-me das correrias, afastava-me dos estresses quotidianos, e caminhava então pelo vale, pelo vale das árvores, pelo vale arbóreo, tinha acabado de contornar, de envolver as três oliveiras, e caminhava eu então sequioso dos sucos das frutas de uma figueira, bela, alta, formosa. Caminhava então perdido no meu cavalo, rodopiava, envolvia os prédios e traçava os trilhos que uniam estes dois pomares, estas duas géneses arbóreas, estes dois frutos que se uniam numa união de paladares afectivos.

Cavalgo no meu cavalo negro, qual cavaleiro errante perdido na madrugada de uma lua cheia, numa data mágica deste sétimo dia semanal, dia dos rituais cristãos, dia das homilias afectivas de poder observar os traços que formam o teu rosto, de poder alcançar o azul dos teus olhos. E questiono-me bela Flor, ao tocar nas tuas pétalas, ao assimilar o teu odor, serei eu o insecto nocturno sequioso do teu suculento néctar, minha dócil Flor do Éden? Recordo com afecto, quando contornava os caminhos que estreitos e esguios, me dirigiam ao topo da colina deste Oásis. Virei à esquerda, antes da estalagem onde os peregrinos se abastecem de mantimentos e bens para as suas caminhadas, segui em frente, desci pausadamente no meu cavalo, atingi a depressão geográfica desta pequena cidadela, e ao longe a zina, o cume, o alto, o altar onde repousa a minha deusa da noite.

Subi, e obedeci ao paradoxo linguistico, mas não, pois eu, cavaleiro amante e errante vim dos subterfúgios da alma, dos poços que afogam os espíritos criadores, e emergi-me das cinzas, dos fogos, e então subi eu para cima, ignorando neste pequeno excerto da minha missiva amorosa o pleonasmo que poderão eventualmente os mais acérrimos críticos evidenciar. Subi, fui ganhando altitude, fui-me afastando do cerne terrestre, mas ganhando a liberdade que preconizas nos teus versos bela Flor.

Calmamente atingi a zina, a areia ofegava-me os pulmões, tal a sua porosidade, observei a tua tenda, o teu local de abrigo na noite escura, observei o local que te protegia do frio nocturno. Tu doce Flor, doce Oásis esperavas-me, quais amantes da madrugada, éramos nós dois adorados, éramos nós duas entidades, duas peças de uma única formatura, éramos o mais e o menos, forças magnéticas ocultas que forçam a união natural de amantes loucos. Naquela noite fomos o alto e o baixo, tu a Flor, eu a espiga, tu a pétala, eu o insecto que depois de metamorfoseado se liberta e ganha asas, fomos o dois e o três em todos os seu simbolismos numerológicos, fomos a Lua e o Sol, formámos um sistema astral, fomos o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste, foste tu nessa noite um Oásis num deserto, foste uma fonte ao ser sequioso em que me revia, e no entanto dócil Flor, és também o mel que me adoça os lábios, e que me nutre, eu corpo e alma carentes de amor.

Entrei na tenda que te abrigava na noite gélida, mas o seu interior fervia em beijos que me prendiam os lábios, sentei-me no tapete, e ofereceste-me um chá, que me enterneceu e me aqueceu o corpo. Sentaste-te a meu lado, e proferiste ternas palavras, aproximei-me de ti e abracei-te, coloquei a minha destra mão sobre o teu dorso, e com a sua palma aberta tocava-te no ombro, simbolizando assim a ternura mútua e reciproca sentida por ambos. Observei-te e beijei-te novamente, toquei-te novamente, tinhas na tenda que te abrigava uma caixa de música que nos entretia nos abraços que dávamos. Sentados e envolvidos no tapete do receptáculo dos amantes noctívagos, abraçamo-nos, acariciámo-nos e nos entretantos bebemos um café que nos manteve despertos pelo resto da noite longa, a noite que nos esperava, pois a noite é sempre especial, a noite, altura em que o Sol se esconde, e a Lua no seu esplendor ilumina as colinas que contemplei nas caminhadas efectuadas.

Calmamente fui, deslindando o mistério do amor, fui destrinçando e fui renegando a muralha que nos separava, fui perfurando o muro, e fui removendo o betão armado que me envolvia numa clausura impiedosa, e quando, naquele momento infinitamente sublime, e cheio de desejo e impetuosa provocação, pude deslocar os meus dedos sobre aquela pequena tira de tecido que suportava o traje que te cobria os seios, quando pude deslocar sobre o teu antebraço esta tira de tecido, quando esta frustrante peça que me impedia de contemplar as colinas do teu tronco, o vale que se encontra no regaço que as une e que as separa, quando baixei subtilmente, estas duas tiras, a do braço esquerdo e direito, e fui calmamente com os dígitos forçando esta pequena indumentária acastanhada a descer pelo teu alvo corpo, pude observar os dois altares mágicos, a magia do número dois, pude observar a dualidade infinita e luxuriante com que ansiava, como que duas fontes que jorram em momentos pós-fecundação os nutrientes que alimentam os novos homens que habitarão o cosmos.

Observei as lindas fontes, alvas, cheias de candura e beleza infinita, e no seu topo, no topo destes altares, cujas silhuetas e formas estão explícitas e patentes em tantas e diversas formas de arte, profanas e sagradas, estas formas tão divinais que incutem nos homens e mulheres aqueles desejos, aquela ansiedade, estes dois altares, que quando a doce Flor está estendida a captar os raios solares, veneram os céus e o infinito do Universo, e quando te observo, bela Flor, erecta, na minha fronte, as tuas massas de carne divinal observam-me de frente e com elas contemplas o mundo. As fontes que os teus seios constituem, são como que a meta da mais longa e fatigante caminhada, aquilo que o peregrino mais crente e carente anseia. E ao observar as tuas colinas corporais que te embelezam o tronco, pude maravilhar-me com tamanha beleza e beber do suco, que jorravam da sua extremidade.

Pois bela Flor do Éden, acredita que é maravilhoso, poder ler-te isto que escrevo, acredita que o sentimento de te poder endereçar, e simultaneamente poder beijar-te é algo que me inunda o ego de alegria. É evocar a egolatria da infância.

O desejo tornava-se incomensurável, não aquele desejo frenético angustiante, ou melhor talvez o fosse, mas sentir tal desejo por alguém que nos compreende, que nos complemente, e que nutra por nós sensações similares, por certo que não pode ser um desejo funesto. Na divisão maior do teu abrigo nocturno; o tapete não era por conseguinte o local mais apropriado para o ritual do amor aos céus, e do amor enternecido que nos unia, o tapete era apenas o começo, era apenas o leito dos preliminares afectivos; mudámos para outro compartimento, ergui-me erecto, levantei-me e caminhei um pouco curvado no sentido do outro espaço divisório, segui no teu encalce, e afastaste suavemente a cortina que separava as duas divisões, e qual acto provocatório deixaste que esta te encobrisse a silhueta, e desapareceste momentaneamente pelo segmento onde se veneram os deuses profanos e sagrados do Amor. Senti-me perdido, desencontrei-me por segundos, mesmo que o abrigo que nos acolhia nesta escura noite desértica no exterior, fosse pequeno; pequeno mas por certo bem mais acolhedor que muitos palácios reais. Reencontrei-me e descortinei a fina membrana que nos separava, a cortina que nos afastava apenas visualmente. Atravessei-a e observei-te novamente bela, formosa, altiva, doce, desejosa dos meus beijos, carente dos meus afectos, e deitaste-te no pequeno estrato que, apesar de não ser muito alto, era reconfortante.

Eu carente dos teus lábios, carente de observar novamente o azul dos teus olhos cristalinos, ansioso por sentir o odor dos teus cabelos, impaciente por preencher o meu espectro visual com as tuas feições, aproximei-me e observei-te de perto.

E é este momento astrológico que nos uniu, o momento sagrado que os povos antigos veneravam, a este momento erigiam-se catedrais, pilares, antas, menires, como que com o intento de poder descobrir este mesmo instante. Não existe então similaridade silábica entre momento e monumento? És tu dócil Flor o monumento dos momentos de afecto e ternura, o monumento que naquela noite se encrostou nesta alma e me adornou o cerne do ego.

Aproximei-me de ti, despi os trajes que me incomodavam e deixei-me embriagar pelos teus actos, pelas tuas palavras, pelas tuas feições, pelos teus gestos, pelo toque das tuas mãos, pela textura dos teus lábios que untados de saliva nutrem o meu parco corpo, deixei-me embriagar pelo teu radioso cabelo das auroras boreais, trinquei os teus mamilos, chupei-os qual bebé morto de fome e sede, agarrei-te nas coxas e senti o ímpeto do desejo atravessar-me a libido. Fui percorrido por fogo nas veias e artérias, que se revelaram na extremidade da pela, e se canalizaram para as zonas mais erógenas da minha essência: os lábios, a ponta dos dedos, a ponta dos pés, as bochechas, e todo este vigor foi concluído num clímax vigorante que jorrou a hemoglobina esbranquiçada e fecunda no leito que nos acolheu; foi o leite do deleite, foi leite jorrado no nosso leito.

Foi este momento simultaneamente herege, pecaminoso e da mais pura e doçura beleza que recordei nessa mesma noite no meu acampamento, depois de regressar da caminhada em que me uni a ti.
Deitei-me na divisória escura, cerrei os olhos, e quão belo foi aquele momento em que observava a tua face, a preencher-me. De olhos abertos via apenas o breu nocturno, e quando cerrava as pálpebras, contemplava a silhueta facial que tinha adorado minutos antes. Adormeci assim, e contigo bela Flor sonhei apenas aguardando aquele momento, em que erigirei de novo em ti o monumento do amor e da ternura.

E enquanto redijo estes escritos bíblicos e proféticos do afecto, aguardo pelo dia quíntuplo, em que nos reencontraremos, desta vez na tua propriedade nos bosques longínquos, onde me esperarás no teu palácio e me beijarás novamente pelos corredores e largas divisões que formam a sua planta.

Dócil Flor, és a mais bela princesa do cosmos.

A deificação de um mercenário


Nicolau Maquiavel referia explicitamente no seu livro intitulado “o Príncipe” que quando um estadista entrega os seus recursos ou recruta mercenários, a desgraça apoderar-se-á da sua nação inevitavelmente. Hoje reconhecemos Maquiavel não como um filósofo ou politólogo, mas como alguém cuja doutrina evoca a disseminação do medo com o propósito do controlo absoluto de um estado ou nação. Mas Maquiavel também criticava abertamente os mercenários, homens sem princípios morais, sem filiações nacionais, sem estado, que combatiam exclusivamente pelas posses financeiras. O que os move é o capital, a riqueza e o poder. Depois de vencida a guerra e conquistada a nação opositora, sequiosos por dinheiro, amealhavam, saqueavam, e pilhavam muitas vezes a nação que os tinha contratado, pois o que os vinculava ao estado beligerante era apenas uma nota contratual, em que os mesmos eram ressarcidos através de altos prémios e bens apoderados à nação derrotada. Mal vencida a guerra, apoderavam-se dos bens da nação que os contratava e acolhia. São homens que lutam não pela fé, ou pela filiação nacional, ou por doutrinas nacionais, mas lutam única e exclusivamente pelo dinheiro. Há historiadores que referem que a desgraça e a miséria em África deve-se muito a mercenários que optam por se juntar a facções apenas por ouro e diamantes. Bem treinados, provenientes de várias nacionalidades, entregam-se aos actos beligerantes com o propósito de enriquecerem desmesuradamente. O Petróleo, os diamantes e o ouro são a desgraça do continente africano. Maquiavel repudiava abertamente todos os mercenários.

Pois o nosso afamado madeirense, especialista na arte de elaborar algumas peripécias na figura geométrica sem lados ou arestas, um objecto esférico apelidado de bola; tem traços muito semelhantes a qualquer um dos que se rege estritamente pelo poder e pelo dinheiro. A sua transferência para Madrid foi a mais onerosa de todos os tempos, segundo consta auferirá cerca de vinte e cinco mil euros por dia, e tal facto é subtilmente acarinhado por todos os meios de comunicação social internacionais. O madeirense que segundo consta era mal pago por terras de Sua Majestade, veio ao encontro dos nossos irmãos castelhanos com o intuito de estar mais próximo da cidade que o acolheu na adolescência, a nossa amada Lisboa. Com a construção da alta velocidade, estaremos mais próximos de Madrid e consequentemente do nosso Cristiano. Poderá o caro adepto mais fervoroso comprar um bilhete pelos módicos duzentos euros e viajar até à capital espanhola para assistir ao espectáculo degradante que é ver a estrela futebolística mais cara de todos tempos correr atrás do objecto esférico referido anteriormente. O Cristiano é acarinhado, tem lugar destacado em todas a televisões e jornais, tem lojas de roupa, acompanham-no por terras do novo mundo, onde descortinam a sua vida íntima e privada com mulheres voluptuosas e ardentes, observam-no na capital do vício e do pecado a gastar as suas parcas poupanças no jogo e no casino. Envolve-se com modelos num simples e factual acto luxuriante, sem compromissos matrimoniais ou afectivos, desvirtua-se com automóveis de alta cilindrada não acessíveis ao comum dos mortais. Ganha fortunas, porque tem o dote de saber dar uns toques. É perverso, ambicioso, pérfido e rege-se apenas pelo dinheiro, Maquiavel diria que temos as condições suficientes para o definir como um exemplo contemporâneo do mercenário. Aquele que se move apenas pelo capital. Que os há, sei bem que há, agora intriga-me observar os média a deificarem-nos, a considerarem-nos como um exemplo de salubridade ética e moral, a tornarem-no num exemplo para as gerações vindouras. O futebol cria as suas estrelas não através do dinheiro, mas através da paixão e do amor pelo desporto criado por terras britânicas. Eusébio viveu com alguma modéstia, apesar de ter sido um dos melhores do mundo e poderá dizer-se o mesmo de Pelé. A paixão pelo futebol nasce na associação entre o factor cultural e desportivo e a paixão por que é regido este desporto. As estrelas não se formam com dinheiro. O humilde Cristiano, proveniente da ilha tão afamada pelos discursos acalorados do Sr. Jardim, parece ter-se tornado na antítese da humildade, tornou-se em alguém altivo, soberbo e arrogante. E a juventude Portuguesa encara-o como o exemplo a seguir, alguém com quem se identificam, alguém que gostariam de ser no futuro, jogador de futebol e claro está, muito endinheirado.
Pois meus caros, o Português mais famoso do mundo, não passa simples e evidentemente de um mero e rude mercenário, que se rege estrita e unicamente pelo dinheiro. E os nossos média decadentes, transformaram-no num exemplo de candura e rectitude. Alguém com quem nos identifiquemos e orgulhemos pelo facto de ter no passaporte a nacionalidade de Camões.

O Poeta Paradoxal


Estou contente, mas descontente
Eufórico, mas estou triste
Sou um fraco que resiste
a amar eternamente

Ateu, que em Deus é crente
que questiona se Ele existe
que divaga, que persiste
na luxúria que é ardente

Sou um paradoxo eterno
O prelúdio imortal
Rude, pacato e terno

Cadáver sensorial
Sou o infinito efémero
Sou a aurora boreal

Em Ponte de Sor


Em tempos foi construída a ponte
sobre o rio, doce, pacato: o Sor
que me lava as mágoas do amor
e que me refresca a morena fronte

Bebo as águas de uma fonte
que me inunda o ego de ardor
que me cura, que sara a dor
perscruto a paz no horizonte

Teço as teias de ternura
do leito que nos envolve
amo a dócil amargura

da teia que nos acolhe
bela mulher, que formosura
que o meu frágil corpo colhe